Qual era o problema?

O tráfico de seres humanos, nas suas várias vertentes, tem vindo a conhecer um processo de mediatização, e a adquirir uma importância central nas agendas de vários governos, organismos internacionais, ONG, academia, entre outros. Estudos internacionais indicam que o número de pessoas traficadas cresceu durante os anos 90 e início do século, sendo a forma de tráfico mais visível a do tráfico de mulheres para fins de exploração sexual.
Em Portugal, o fenómeno de tráfico para fins de exploração sexual e laboral, encontrava-se, à data, pouco estudado. Foi nesse sentido que o CES promoveu duas investigações: “Tráfico de Mulheres em Portugal para Fins de Exploração Sexual” (2006-2007) e “Tráfico de Seres Humanos para Exploração Laboral: desafio(s) ao(s) Direito(s)” (2012-2014), cujo objetivo era caraterizar as dinâmicas e tendências atuais do tráfico laboral e com fins de exploração sexual e identificar os principais obstáculos à investigação deste crime e à proteção das vítimas.

O que fizemos?

O primeiro estudo, “Tráfico de Mulheres em Portugal para Fins de Exploração Sexual”, coordenado por Boaventura de Sousa Santos, Conceição Gomes e Madalena Duarte, foi desenvolvido entre 2006 e 2007, e obteve financiamento da Comissão para a Igualdade de Género (CIG). No final do trabalho foram apresentados à CIG contributos para uma intervenção mais eficaz no campo da prevenção, no campo legal, e na proteção e auxílio às vítimas. Foi na sequência deste projeto, que surgiu, com financiamento da FCT, o projeto “Tráfico de Seres Humanos para Exploração Laboral: desafio(s) ao(s) Direito(s)”, entre 2012 e 2014, coordenado por Cecília MacDowell Santos. Paralelamente, iniciou-se um projeto internacional, liderado pelo CES, “THB: COOPtoFIGHT – The fight against trafficking in human beings in EU: promoting legal cooperation and victims' protection?” (2011-2014), coordenado por Boaventura de Sousa Santos e Madalena Duarte. Ambos procuraram ir além de uma análise da legislação, e de ferramentas e estratégias de cooperação judiciária entre países europeus, refletindo por isso sobre algumas das medidas ditas como “melhores práticas” no domínio da cooperação, e promovendo formação com especialistas, juízes/as e agentes de aplicação da lei, testando as orientações desenvolvidas pelo projeto e promovendo a capacitação de atores legais e de outros atores nesse campo.

O que aconteceu?

O estudo sobre tráfico de mulheres para fins de exploração sexual revelou que há estereótipos em torno da conceção da mulher vítima de tráfico (influenciados sobretudo pelo seu lugar na indústria do sexo e pela nacionalidade) que conduzem a uma hierarquização da vitimação, prejudicial para as mulheres que precisam alcançar um patamar de segurança. O estudo sobre o tráfico laboral em Portugal evidenciou que este é, a par do tráfico sexual, um “fenómeno preocupante", com vários casos de vitimação, quer de estrangeiros/as explorados/as em Portugal, quer de portugueses/as no estrangeiro. Os dois estudos confirmaram a posição de Portugal nas rotas do tráfico europeu como país de destino no que se refere ao tráfico sexual, e país de destino e de origem no que se refere ao tráfico laboral. Esta linha na investigação foi mais tarde seguida com o projeto sobre tráfico para fins laborais, que decorreu ao mesmo tempo que o projeto internacional e que procurou entender e sugerir melhorias e alterações ao sistema de cooperação legal e de proteção de vítimas.
O estudo internacional reforçou a relevância deste crime na Europa e concluiu que as crises económicas criam condições para o aumento do tráfico laboral. A investigação de enfoque qualitativo determinou também as condições de preconceito e negligência às quais estão sujeitas as vítimas de tráfico, obrigando a uma abordagem crítica do conceito de “vulnerabilidade” inscrito na lei.