Curso de Formação Avançada

Outras Áfricas – Heterogeneidades, (des)continuidades, expressões locais

11 e 12 de março de 2011

Sala de seminários (2º piso), CES-Coimbra

Clemens Zobel  (CES)

A antropologia e a emergência da África: ciência(s) e lugar(es) entre colonização e descolonização

A configuração de um objecto de conhecimento e de estratégia política designado como “África” desempenhou um papel importante na imaginação do “Eu” ocidental, na definição das características específicas dos estados-nação europeus, e na concepção das disciplinas científicas como um continuum entre as ciências naturais e as ciências humanas. O presente seminário tratará as formas como a antropologia criou o seu objecto africano, tanto no âmbito como para além das experiências coloniais da Alemanha, da França e da Grã-Bretanha. Serão exploradas três questões: 1) Como foi concebida a unidade e a diversidade interna da “África” como objecto de conhecimento e de estratégia política? 2) Como é que este objecto foi transformado nos processos de colonização e descolonização? 3) Que “utilidade” teve a antropologia na colonização e na descolonização? As respostas a estas questões têm a ver não somente com a interacção entre os paradigmas científicos europeus e as práticas políticas, mas examinarão também a respectiva apropriação pelas elites políticas e os intelectuais em África.

 

 

Nota biográfica:

Clemens Zobel é investigador no CES e professor associado de Ciências Políticas na Universidade Paris 8. Estudou aprofundadamente questões políticas da perspectiva da música, da tradição oral, e da democratização institucional no Mali. Tem, para além disso, um interesse particular pela história da antropologia e dos respectivos objectos. Nesta área, publicou /co-editou três livros - Das Gewicht der RedePostcolonialisme, Postsocialisme et Posterité de l'Idéologie eThe younger brother in Mande: kinship and politics in West Africa e escreveu artigos, dos quais se destacam : “Les génies du Kòma: Identités locales, logiques religieuses et enjeux socio-politiques dans les monts Manding du Mali”; “Décentralisation, espaces participatifs et l'idée de l'indigénisation de l'État africain : le cas des communes maliennes” and “Essentialisme et Culturalisme chez Leo Frobenius et Maurice Delafosse”.

 

Albert Farré Ventura (Centro de Estudos Africanos / ISCTE)

O Estado e as autoridades tradicionais: suma de debilidades e agendas  políticas em confronto

Durante o período colonial e o período pós-colonial,  o Estado e as autoridades tradicionais mantiveram, em paralelo, uma aliança e uma luta: Uma aliança para garantir a eficácia administrativa do território e o controlo das populações, e uma luta pela legitimidade ou, noutras palavras, uma  luta por impor a hegemonia da própria linguagem e do próprio projecto político. Na última fase do período colonial, o Estado conseguiu estabelecer um "statu quo" favorável aos seus interesses, mas, depois das independências,   num contexto de instabilidade política, algumas autoridades tradicionais, graças à flexibilidade  e criatividade da sua cultura política,  têm conseguido um espaço de negociação que lhes permite ganhar uma posição de influência, tanto no âmbito da eficácia na gestão do quotidiano como no âmbito mais simbólico da legitimidade.

No meu seminário, irei dar prioridade a uma abordagem  a partir de exemplos actuais concretos, nomeadamente de autoridades tradicionais do Uganda, da R.D. Congo,  de Moçambique, da Suazilândia, da Guiné Bissau e do Senegal. Só a partir do conhecimento empírico de uma amostra da pluralidade de situações que existem se pode tentar uma teorização da cultura política em África.

 

Nota biográfica:

Albert Farré Ventura é investigador de pós-doutoramento (bolsa FCT) no ISCTE-IUL (Centro de Estudos Africanos). É Doutor em História pela Universidade de Barcelona e Licenciado em Antropologia pela Universidade de Barcelona. Fez trabalho de campo em Uganda, R. D. Congo e e Moçambique. Em Moçambique é investigador associado ao CEA-UEM e ao ARPAC. No Uganda e na R. D. Congo tem colaborado com ONGs de desenvolvimento rural.

 

 

Mallé Kassé (Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar, Senegal)

Islão e Política no Senegal

No Senegal, as confrarias religiosas islâmicas desempenham o papel de "grandes eleitores" e todos os políticos, desde Leopold Sedar Senghor, procuram ter o "ndigel" (a orientação) dos marabus (líderes religiosos muçulmanos). Porém, ao longo do tempo, o papel social dos marabus transformou-se, sendo hoje, sobretudo, uma fonte de rendimento económico.

 

No presente seminário, irei fazer uma análise das especificidades do Islão senegalês, tendo também em conta as relações com o Islamismo além fronteiras. Irei, em particular, considerar as respectivas implicações na sociedade e na reflexão e práticas políticas do país, explorando, entre outras, as seguintes questões: 1) Islão e jogo político no Senegal? 2) O Islão senegalês e a revolução iraniana; 3) Uma república islâmica no Senegal? 4) A esquerda senegalesa e o Islão.

 

Nota biográfica:

Mallé Kassé é Professor na Faculdade de Letras da Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar. É doutorado em Literatura Angolana pela Université de Haute-Bretagne, Rennes II (França). Estuda a problemática da ocupação do espaço no período pós-independência,  espaço e política. Interessa-se pelas questões relativas às liberdades académicas. Foi um dos dirigentes do Sindicato Autónomo do Ensino Superior do Senegal.

 

 

Catarina Martins (CES / FLUC)

“La Noire de…” tem nome e tem voz. A narrativa de mulheres africanas anglófonas e francófonas para lá da Mãe África, dos nacionalismos anti-coloniais e de outras ocupações.

Apesar do reconhecimento alcançado por várias mulheres escritoras de África e da diáspora, o cânone da literatura africana, em África como fora dela, continua a ser constituído maioritariamente por homens, o que significa que a representação dominante da Mulher Africana é ainda uma construção masculina. Este cânone é ou determinado por um mercado e uma crítica (neo-)colonialistas ocidentais, ou marcado ainda pelas resistências anti-coloniais do período das independências, nas quais os projectos nacionalistas, de cunho patriarcal, não só silenciaram o papel das mulheres, como construíram para elas um lugar de subalternidade na idealização mítica da Mãe África ou da Mulher como corporização simbólica da Nação oprimida pelo colonialismo.

A estas, entre muitas outras, acresce uma outra ocupação, em relação à qual a narrativa das mulheres africanas se assume como resistência: o feminismo ocidental, branco e de classe média, cuja “universalização” em torno d’A Mulher é denunciada como mais uma prática colonial sobre as mulheres negras do Sul. Muito embora o feminismo, nos seus debates mais recentes, tenha vindo a incorporar os plurais, na intersecção do conceito “Mulher” com os multiplicadores raça, condição social e religião, entre outros, a literatura de mulheres africanas é ainda um dos lugares onde prossegue o debate sobre o que são os feminismos e sobre o dilema fundamental entre a busca de solidariedades, que pressupõe a partilha de uma identidade comum, e a articulação das diferenças e das práticas de poder nas experiências concretas do “ser mulher”.

Através da análise de algumas das temáticas essenciais recorrentes em obras fundamentais da narrativa de mulheres anglófonas e francófonas da África subsaariana, dos anos 60 à actualidade, das quais se destacam o papel social das mulheres entre a esfera privada e a esfera pública, a relação entre as feminilidades e as masculinidades, a maternidade e a sexualidade, este seminário pretende cartografar, mesmo que sumariamente, alguns destes debates.

 

Nota biográfica:

Catarina Martins é Professora Auxiliar do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Investigadora do Centro de Estudos Sociais. É Doutorada em Literatura Alemã pela Universidade de Coimbra. Entre as suas actuais áreas de interesse, destacam-se a literatura comparada, os estudos pós-coloniais e os estudos feministas, a partir dos quais perspectiva, em especial, questões de representação da violência. Paralelamente, dedica-se a investigação em literaturas africanas não lusófonas, em particular de mulheres, tendo em conta problemáticas feministas, por um lado, e a representação da infância, por outro.

 

 

Fabrice Schurmanns (Doutorando em Pós-Colonialismo / CES)

O trágico do Estado pós-colonial

Existe um trágico específico do Sul? Podemos falar de um trágico do Estado pós-colonial? Em que medida este trágico se aproxima ou se afasta do modelo tido tradicionalmente como original: as tragédias gregas? Até que ponto o conceito de trágico poderá ser usado para entender os conflitos e as tensões vividos pelos Estados africanos pós-independência? Como têm abordado as literaturas africanas pós-coloniais as realidades sócio-políticas que marcaram as décadas que se seguiram às lutas independentistas contra o colonizador? Utilizarei a obra de dois conceituados escritores da África Equatorial de língua francesa - Sony Labou Tansi (República do Congo), Pius Ngandu Nkashama (RDC) – para tentar reflectir sobre estas questões. Em primeiro lugar, porque estes autores vêm de países que experimentaram vários tipos de violência associados ao Estado pós-colonial (guerra civil, ditadura, ingerência estrangeira pelo controlo de matérias primas, conflito étnico, etc.). Em segundo lugar, porque enquanto autores africanos que escrevem na língua do colonizador e que participam em vários espaços culturais (literaturas africanas, literaturas francófonas, etc.) permitem questionar as múltiplas metamorfoses espaciais e temporais daquilo que comummente entendemos como “trágico”.

Nota biográfica:

Fabrice Schurmans é licenciado em Filologia Românica e Artes e Ciências da Comunicação (Universidade de Liège), e Mestre em Literaturas Românicas Modernas e Contemporâneas (Universidade do Porto). Está a acabar uma tese de doutoramento em Estudos Pós-coloniais (CES/UC). Entre as publicações mais recentes, destacam-se o livro Michel de Ghelderode. Un tragique de l’identité, Croquemitaine et le rêve (tradução de uma peça de José Jorge Letria), La Bataille Navale (tradução e edição crítica de uma peça de Jaime Salazar Sampaio), «Subversion des codes dans les romans policiers de Pepetela»; e «De Hannah Arendt a Nicolas Sarkozy : leitura pós-colonial do discurso africanista»; «O esquecimento da complexidade e a memória da essência: Hutu e Tutsi na literatura colonial»; «O genocídio do Ruanda no cinema : ausência, representação, manipulação».

 

 

Mamadou Ba (SOS Racismo)

Imigração africana em Portugal para lá da lusofonia: Onde cabem a(s) outra(s) África(s)?

Durante muito tempo, a imigração africana na Europa e em Portugal inscreveu-se nas dinâmicas coloniais e pós-coloniais. Estas dinâmicas traduziam-se sobretudo no privilégio das rotas migratórias por afinidades históricas e linguísticas. Porém, esta situação vai alterar-se significativamente a partir dos finais da década 60 e inícios da de 70 com as migrações dentro da própria imigração africana. À mudança dos padrões de mobilidade ditada pela globalização económica acresce a evolução da organização política da Europa. Os tratados de Maastricht e de Amesterdão, os acordos de Shengen e muitos outros instrumentos políticos de gestão da mobilidade implementados pela Europa obrigaram os imigrantes africanos a procurarem adaptar a gestão da sua estadia e permanência no espaço europeu, tendo em conta as oportunidades de trabalho, os níveis de protecção social e jurídica, e a possibilidade de obter um estatuto jurídico que garanta segurança e melhores condições de vida.

Portugal não escapa a esta realidade: logo após a sua adesão à União Europeia, um investimento colossal em infra-estruturas, cuja necessidade de mão-de-obra não podia ser suprida apenas pelos contingentes de imigrantes dos PALOP, originou a vinda de muitos imigrantes de várias origens, entre eles muitos africanos de países não lusófonos. No entanto, a presença destes imigrantes esteve sempre diluída na percepção de que imigrantes africanos em Portugal eram apenas dos PALOP e, esta percepção só veio a realmente alterar-se com a primeira regularização extraordinária de 1993 que deu a conhecer a presença de outros africanos não lusófonos em Portugal. Hoje, a imigração africana em Portugal espalha a diversidade do continente com a presença de imigrantes anglófonos, francófonos, lusófonos e magrebinos.

Pese embora esta realidade, tanto a percepção da diversidade da imigração africana como a resposta política à necessidade de um reconhecimento desta diversidade deixam muito a desejar. Dai a pergunta: onde cabem a(s) outra(s) África(s) nas políticas de imigração?

Nota biográfica:

Dirigente da Associação SOS Racismo e da Rede Europeia Contra o Racismo. Nasceu no Senegal em 1974, licenciado pela Faculdade de Letras da Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar.