Teses Defendidas
Suspeição Biogenética: Controvérsias e expectativas sobre tecnologias de inferência fenotípica no contexto de investigação criminal
14 de Julho de 2020
Sociologia
Helena Machado
e
Sílvia Portugal
Esta tese tem como objeto de estudo uma das mais recentes inovações tecnológicas no campo da investigação criminal: a inferência fenotípica. Estas tecnologias ambicionam prever a aparência de suspeitos criminais através da inferência de determinadas características físicas, tais como a cor dos olhos, cabelo e pele, e da ancestralidade biogeográfica. Em termos simples, estas tecnologias visam recriar a imagem visual de um suspeito a partir da leitura de amostras biológicas recolhidas em cena de crime, tais como saliva, sangue ou sémen.
Este estudo tem como principal objetivo analisar a complexa teia de relações entre o desenvolvimento de tecnologias de inferência fenotípica e os mecanismos institucionais de vigilância, controlo e categorização de populações suspeitas. Por um lado, debruça-se sobre as controvérsias e as expectativas acerca do seu desenvolvimento e (potencial) aplicação na investigação criminal. Por outro lado, compreende de que modo é que os processos de criminalização inerentes à utilização destas tecnologias forenses (re)criam identidades humanas, aumentando e reforçando estereótipos de suspeição sobre determinados grupos populacionais.
A metodologia de pesquisa, de tipo qualitativo, apresenta uma abordagem sociológica compreensiva e interpretativa assente nos princípios da grounded theory. Compreende a análise de entrevistas semiestruturadas a representantes institucionais de todos os países da EU que operacionalizam o Sistema Prüm, a geneticistas forenses e a um grupo alargado de stakeholders em Portugal, Países Baixos, Polónia, Alemanha e Reino Unido.
A inovação deste trabalho inscreve-se na novidade que a inferência fenotípica representa no campo da genética forense aplicada à investigação criminal. Face à escassez de estudos sobre estas tecnologias nas ciências sociais, esta pesquisa contribui ampliando o olhar sociológico. Fá-lo reunindo um corpo teórico diversificado, mas também um amplo leque de perspetivas sobre a (potencial) aplicação destas ferramentas na investigação criminal.
Esta tese apresenta novos contributos analíticos com especial significado para dois campos de estudos: a sociologia das expectativas e os estudos sociais do trabalho policial. A sua compreensão requer um olhar atento para as especificidades das tecnologias de inferência fenotípica face a outros instrumentos forenses mais robustos e de uso tradicional. A sua maior proximidade com uma fase de desenvolvimento científico; o contexto limitado da sua regulação legal na EU e da sua aplicação na investigação criminal; e a sua relação com as premissas de objetividade e infalibilidade até agora associadas aos imaginários sociais das tecnologias forenses, impactam nas visões partilhadas pelos entrevistados face à potencial aplicação da inferência fenotípica na investigação criminal.
Esta pesquisa revela a existência de expectativas coletivas, transversais às visões dos diferentes grupos de profissionais entrevistados, que apontam para o caráter promissor do futuro das tecnologias de inferência fenotípica na investigação criminal. Contudo, a incerteza em torno destas tecnologias traduz-se num modelo de construção de expectativas que não segue uma racionalidade binária, mas sim um continuum que nunca chega ao negativo. Esta pesquisa revela heterogeneidade nas perspetivas de futuro das tecnologias de inferência fenotípica, não sendo consensuais as visões dos seus impactos na investigação criminal. Assim, ao mesmo tempo que atua mitigando as visões negativas e as controvérsias existentes, a incerteza do futuro deixa em aberto um amplo leque de possibilidades associado ao uso destas tecnologias: uma ecologia de futuros possíveis.
A análise das expectativas dá conta de uma projeção de futuros predominantemente centrada numa retórica de inteligência e num modelo de construção de suspeição que focaliza a diferença racial como ferramenta de investigação policial. Produzindo conhecimento provável acerca da aparência física dos suspeitos, as tecnologias de inferência fenotípica operam coletivizando a suspeição criminal. Consequentemente, tornam determinadas minorias étnicas e raciais mais expostas à ação vigilante da polícia.
Por fim, se, por um lado, a inferência fenotípica convoca um imaginário de progresso científico e tecnológico; por outro lado, a compreensão do poder diferenciador dos seus resultados resulta na racialização das caraterísticas que esta torna visíveis à investigação policial. Este estudo revela, assim, um paradoxo: a invocação de categorias raciais traduz-se numa perpetuação (in)visibilizada de práticas científicas e tecnológicas que atuam no campo forense e criminal. Tais práticas podem aumentar a exposição de determinados grupos populacionais não só a ações de controlo e vigilância Estatal, como de discriminação e estigmatização social.
Palavras-chave: inferência fenotípica; suspeição; coletivização; expectativas; controvérsia
Data de Defesa
Programa de Doutoramento
Orientação
Resumo
Este estudo tem como principal objetivo analisar a complexa teia de relações entre o desenvolvimento de tecnologias de inferência fenotípica e os mecanismos institucionais de vigilância, controlo e categorização de populações suspeitas. Por um lado, debruça-se sobre as controvérsias e as expectativas acerca do seu desenvolvimento e (potencial) aplicação na investigação criminal. Por outro lado, compreende de que modo é que os processos de criminalização inerentes à utilização destas tecnologias forenses (re)criam identidades humanas, aumentando e reforçando estereótipos de suspeição sobre determinados grupos populacionais.
A metodologia de pesquisa, de tipo qualitativo, apresenta uma abordagem sociológica compreensiva e interpretativa assente nos princípios da grounded theory. Compreende a análise de entrevistas semiestruturadas a representantes institucionais de todos os países da EU que operacionalizam o Sistema Prüm, a geneticistas forenses e a um grupo alargado de stakeholders em Portugal, Países Baixos, Polónia, Alemanha e Reino Unido.
A inovação deste trabalho inscreve-se na novidade que a inferência fenotípica representa no campo da genética forense aplicada à investigação criminal. Face à escassez de estudos sobre estas tecnologias nas ciências sociais, esta pesquisa contribui ampliando o olhar sociológico. Fá-lo reunindo um corpo teórico diversificado, mas também um amplo leque de perspetivas sobre a (potencial) aplicação destas ferramentas na investigação criminal.
Esta tese apresenta novos contributos analíticos com especial significado para dois campos de estudos: a sociologia das expectativas e os estudos sociais do trabalho policial. A sua compreensão requer um olhar atento para as especificidades das tecnologias de inferência fenotípica face a outros instrumentos forenses mais robustos e de uso tradicional. A sua maior proximidade com uma fase de desenvolvimento científico; o contexto limitado da sua regulação legal na EU e da sua aplicação na investigação criminal; e a sua relação com as premissas de objetividade e infalibilidade até agora associadas aos imaginários sociais das tecnologias forenses, impactam nas visões partilhadas pelos entrevistados face à potencial aplicação da inferência fenotípica na investigação criminal.
Esta pesquisa revela a existência de expectativas coletivas, transversais às visões dos diferentes grupos de profissionais entrevistados, que apontam para o caráter promissor do futuro das tecnologias de inferência fenotípica na investigação criminal. Contudo, a incerteza em torno destas tecnologias traduz-se num modelo de construção de expectativas que não segue uma racionalidade binária, mas sim um continuum que nunca chega ao negativo. Esta pesquisa revela heterogeneidade nas perspetivas de futuro das tecnologias de inferência fenotípica, não sendo consensuais as visões dos seus impactos na investigação criminal. Assim, ao mesmo tempo que atua mitigando as visões negativas e as controvérsias existentes, a incerteza do futuro deixa em aberto um amplo leque de possibilidades associado ao uso destas tecnologias: uma ecologia de futuros possíveis.
A análise das expectativas dá conta de uma projeção de futuros predominantemente centrada numa retórica de inteligência e num modelo de construção de suspeição que focaliza a diferença racial como ferramenta de investigação policial. Produzindo conhecimento provável acerca da aparência física dos suspeitos, as tecnologias de inferência fenotípica operam coletivizando a suspeição criminal. Consequentemente, tornam determinadas minorias étnicas e raciais mais expostas à ação vigilante da polícia.
Por fim, se, por um lado, a inferência fenotípica convoca um imaginário de progresso científico e tecnológico; por outro lado, a compreensão do poder diferenciador dos seus resultados resulta na racialização das caraterísticas que esta torna visíveis à investigação policial. Este estudo revela, assim, um paradoxo: a invocação de categorias raciais traduz-se numa perpetuação (in)visibilizada de práticas científicas e tecnológicas que atuam no campo forense e criminal. Tais práticas podem aumentar a exposição de determinados grupos populacionais não só a ações de controlo e vigilância Estatal, como de discriminação e estigmatização social.
Palavras-chave: inferência fenotípica; suspeição; coletivização; expectativas; controvérsia