Teses Defendidas

Mitigar: consequences of child maltreatment in adults in Portugal and public health actions

Aida Dias

Data de Defesa
19 de Outubro de 2018
Programa de Doutoramento
Clinical Psychology, Universidade de Utrecht, Holanda
Orientação
Kleber Rolf , José Manuel Mendes e Luisa Sales
Resumo
É crescente a evidência científica da relação entre os problemas de saúde ao longo da vida e o anterior maltrato na infância. Este tem sido considerado um fator de risco para várias perturbações de saúde mental e diversos níveis de incapacidade, aos quais estão associados para além de outros, elevados custos financeiros. No entanto, o maltrato de infância tem sido pouco estudado nos países do sul da Europa. Acresce que a investigação existente tem-se focado mais no abuso físico e sexual do que noutras formas de maltrato menos evidentes, tais como o abuso emocional e a negligência, e sobretudo em populações clínicas ou em grupos notificados pelas instituições de proteção de menores. Mas em que medida é que o anterior maltrato de infância afeta adultos na comunidade? E como é que os sistemas de saúde pública poderão minimizar as suas consequências ao longo da vida? Em países como Portugal, cujas taxas de prevalência de perturbações de saúde mental são elevadas em comparação com outros países europeus e em que existem fatores de risco acrescido para o maltrato de infância (tais como baixa escolaridade, pobreza e taxas elevadas de doenças mentais) é prioritário conhecer em que medida é que a população adulta é afectada, e como é que as suas consequências poderão ser aliviadas.

Esta investigação estudou a prevalência de cinco formas de maltrato de infância - abuso sexual, abuso físico, abuso emocional, negligência física e negligência emocional numa amostra de 1200 adultos da comunidade portuguesa e analisou a sua relação com sintomas psicológicos, revitimização e stress pós-traumático. Atendendo à importância histórica e cultural da Guerra Colonial na sociedade portuguesa, foi também estudada a influência da exposição parental à Guerra e à perturbação de stress pós-traumático no risco de maltrato de infância nos filhos de ex-combatentes.

Para além dos estudos em amostras portuguesas, esta investigação analisou também a necessidade de implementar medidas de saúde pública para mitigar consequências do anterior maltrato de infância em adultos na comunidade. Para tal, foi analisada a literatura científica sobre fatores de resiliência e protocolos terapêuticos para consequências clínicas associadas ao maltrato de infância. Usando o método de Delphi foram também documentadas opiniões de 90 profissionais, maioritariamente da região europeia.

Os resultados indicaram que mais de 14% dos adultos na comunidade que estudámos foram expostos a situações moderadas a severas de maltrato durante a sua infância. A negligência emocional foi a forma de maltrato mais reportada, mas o abuso emocional apresentou mais fortes correlações com sintomas psicológicos e com o diagnostico de stress pós-traumático. Observou-se também que a exposição ao abuso emocional foi concomitante com todas as outras formas de maltrato avaliadas, interagindo de forma significativa com o abuso físico, negligência emocional e negligência física para estimar a ocorrência de sintomas psicológicos e de stress pós-traumático. Adultos expostos a maltrato de infância apresentaram o dobro de probabilidade de revitimização ao longo da vida, e o triplo do risco de desenvolverem o diagnóstico de stress pós-traumático.

O estudo da transmissão de consequências de maltrato de infância na descendência de veteranos de guerra portugueses indicou que os filhos de pais expostos, com diagnóstico de stress pós-traumático reportaram maior exposição a negligência emocional, ao invés dos seus pais que reportaram exposição acrescida a situações de abuso, durante a sua própria infância. Por outro lado, pais expostos à guerra e sem o diagnóstico de stress pós-traumático transmitiram mais frequentemente as suas próprias experiências de abuso para os seus filhos.

A revisão da literatura sobre resiliência e intervenções terapêuticas permitiram-nos identificar características trans-diagnósticas, nomeadamente a regulação emocional, as competências sociais e o auto-conceito, que poderão ser intervencionadas usando programas de saúde pública. Profissionais europeus consideraram necessários esses programas para mitigar as consequências de maltrato de infância em adultos, sendo a prevenção da transmissão dos seus efeitos para as gerações futuras o principal benefício daí decorrente. No entanto, possíveis riscos associados à medicalização de dificuldades ligeiras e revitimização foram também salientados. Programas de saúde pública com intervenções que cubram as necessidades das pessoas afectadas, usando estratégias personalizadas, autogeridas e baseadas em recursos informáticos (e-mental-health), assim como formação adequada dos profissionais de saúde, poderão minimizar os riscos identificados. Outra estratégia proposta foi o desenvolvimento de intervenções focadas na regulação emocional com eficácia comprovada para serem aplicadas em adultos afectados pelo maltrato de infância. O uso das tecnologias de informação-computação nesta área afigura-se interessante na mediada em que facilitará o acesso às intervenções, sem no entanto sobrecarregar os sistemas de saúde com despesas inerentes às intervenções presenciais.

Consideramos que a nossa investigação contribui de forma significativa, para o desenvolvimento de programas que mitiguem as consequências do maltrato de infância ao longo da vida. Contudo, limitações tais como o uso de dados transversais e de instrumentos de auto-preenchimento na avaliação do maltrato de infância, bem como o possível viés na seleção dos profissionais que participaram no estudo Delphi, devem ser tidas em conta na leitura das conclusões do nosso estudo.

Os resultados obtidos apoiam a hipótese de que o abuso emocional é um tipo de maltrato tão nocivo como outros mais evidentes, requerendo portanto melhorias nas formas de prevenção e intervenção nas suas consequências. Através do aumento da sensibilização da comunidade acerca das consequências do maltrato de infância ao longo da vida, da formação adequada de profissionais e do desenvolvimento de programas de intervenção na regulação emocional, os sistemas de saúde pública poderão responder de forma mais eficaz ao problema do maltrato de infância. No entanto, é necessário conhecer melhor as necessidades das pessoas afectadas. A redução de danos associados ao maltrato de infância em adultos deverá ser perspetivada pelas organizações de saúde publica e proteção de menores como uma oportunidade para reforçar a prevenção primária.