Enquadramento

A moderna Academia foi construída historicamente como espaço privilegiado de produção de saber, ou seja espaço detentor do poder de certificar e avaliar os conhecimentos que cada sujeito possui e que definem o seu lugar dentro da sociedade.

Como vários autores tem vindo a sublinhar, o  processo de formação da cultura académica de inspiração eurocêntrica, que se tem procurado globalizar, foi um dos parceiros da colonização e do estabelecimento da razão eurocêntrica como critério de distinção entre conhecimentos considerados válidos e conhecimentos não reconhecidos como tais; neste contexto, o conhecimento moderno  transformou-se num instrumento para promover a dominação de alguns segmentos da sociedade sobre outros.

As Epistemologias do Sul, uma proposta radical de diálogos tendencialmente horizontais entre saberes, foi avançada por Boaventura de Sousa Santos. Enquanto proposta teórica e metodológica, as Epistemologias do Sul propõem-se inverter estas dinâmicas, ampliando saberes ausentes e, em paralelo respaldando saberes emergentes. Na sua essência, as Epistemologias do Sul, a partir da ecologia de saberes, promovem diálogos transculturais (incluindo entre saberes científicos e outros saberes não reconhecidos pela razão eurocêntrica e por isso secundarizados e desperdiçados). A partir de estes diálogos, elas procuram fortalecer saberes nascidos e validados na luta, aprofundando resistências e propondo estratégias de reinvenção da emancipação social.

A Universidade das Quebradas, projeto de extensão da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) coordenado por Heloísa Buarque de Hollanda, parte de pressupostos similares, sendo que propõe colocar em contacto saberes académicos e saberes produzidos pelas periferias e favelas, principalmente do Rio de Janeiro. Ela pretende ser de duas vias: para as comunidades que estão produzindo cultura mas não têm acesso à produção intelectual das Universidade e para a comunidade acadêmica, que denuncia carência similar em relação ao acesso a outros saberes e formações culturais fora da Universidade. Neste sentido, quer instituir-se como um espaço de interação entre os vários saberes que compõem a textura da cultura contemporânea brasileira, potencializando a produção de conhecimento e a criação artística na cidade e promovendo políticas de acesso e representatividade.

Este evento é pensando como encontro entre várias realidades concretas que as Epistemologias do Sul têm trazido e a Universidade das Quebradas e um diálogo sobre os desafios da ocupação do espaço académico eurocêntrico por parte de outras dinâmicas de produção de conhecimento para pensar juntos a ativação de processos de imaginação política.


Notas biográficas

Marcos Cesar Fernandes Barros Junior (Marcos Aganju) é músico e educador. Formado em Pedagogia pela UERJ em 2014, integra a Universidade das Quebradas 2017. Pesquisa sonoridades e dispositivos eletrônicos musicais desde 2005. É ativista pelos direitos dos negros no Brasil desde 2001. Participou do Programa de Processos Criativos em Cultura Afro-brasileira contemporânea do Afrotranscendence no Red Bull Station (SP). Seu trabalho atual é o Duo Amalá junto a Emerson Costa. Produz trilhas sonoras para teatro, dança e cinema desde 2001. Colabora com bandas, artistas e projetos culturais no eixo Rio de Janeiro e São Paulo.

Dea Merlini é doutoranda do programa Pós-colonialismos e Cidadania Global do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O título do seu projeto de tese, orientado por Catarina Martins, é Não identidades que definem: para uma leitura da antropofagia a partir da literatura afro-brasileira. Formou-se em literaturas comparadas na Università degli Studi di Pisa e na Scuola Normale Superiore. Participa ativamente nas atividades do pós-doutorado PACC (Programa Avançado de Cultura Contemporânea), sob orientação de Heloísa Buarque de Hollanda e no programa de extensão deste último, Universidade das Quebradas.

Atividade no âmbito do Programa de Doutoramento «Pós-Colonialismos e Cidadania Global»