Exposição
4 Cidades
4 de março de 2011, 14h00 - 18h00
CAPC Sereia
Artistas Expostos
Inês Moura e Maura Grimaldi
Jorge Colombo
Vasco Mourão
Yonamine
Sobre os Artistas
Yonamine é um nativo da Luanda da Guerra dos trinta anos e um visitante/habitante de longo curso de Lisboa, uma Luanda mais limpa como o próprio afirma, ou noutros termos uma Luanda Schengen sem tempestades épicas em torno da luta de classes. Uma Lisboa time out a merecer uma sova. O castigo da liberdade, a liberdade sem castigo, o castigo libertário, pensamentos dirigistas quando vemos pregos. Pregos fágicos. Escovar a história a contrapelo (against conventional wisdom) à procura da prova do que não mudou no meio da vida estranha, estrangeira, teatral. People of Africa rise up! Aqui, no chão do Capc, aguarda-nos uma digressão armadilhada, uma paliçada de pregos à espera de um ceifeiro; talvez (mas só talvez) Yonamine nos proponha uma metáfora visual sobre a psicose defensiva, eriçada dos lugares desprotegidos da cidade metropolitana, sobre os robinsons crusoes que a povoam sem experiências místicas mas que ainda nos podem ajudar (a desgraça é uma boa utilidade sobretudo quando está atulhada com contas para pagar, Balzac dixit alhures; a felicidade tem um fim do mês e um mês sem fim…). A situação espiritual da falta de tempo para consentirmos em sermos salvos, empurra-nos para um início irreversível, tudo começará em conflito, viverá em conflito, será conflito. A norma e o erro, inconscientes, auto-conscientes são ritmos do nosso passeio. A barbárie é uma caixa de pregos na mochila da civilização, é o seu irreprimível abismo, a sua serpente, retemperando a qualidade do mortal, do efémero, do que não vai haver mais, do facto piromaníaco, do facto em chamas no livro de contas da normalidade.
Jorge Colombo, o incansável narrador (ou descritor?) de Nova Iorque Todo-o-Mundo, da cidade mais lenta e avançada do mundo (Fernand Léger), a cidade em que segundo Man Ray o espírito Dada nunca teria futuro porque era demasiado dada (ainda o é?), desembarcou as suas I-pad brushes na Paris Je t’aime/impression soleil/ minute maid. É Paris isolada em momentos termo-digitais (de cor e de luz) e remontada num passeio anfiónico, a imagem teórica das cidades universais, como nos propunha Guillaume Apollinaire por interposta pessoa; é o esforço de individuação expresso no registo da condição estética do anonimato (das pessoas que passam e são, dos edifícios fotogénicos ou sem salvação); Paris de Atget, de Bresson, de duas ou três coisas que sei dela (region parisienne), de Adéle branca e seca, de Versalhes-Vichy, do leão de Denfert, do pai-acadeira onde dorme a conspiração cosmopolita internacional assim como jazem gloriosos os avós blanquistas do bolchevismo; a Paris intranscendente dos RER, dos black mec hip-hop das cités farolando as damas no circuito Halles-Chatellet; a Paris que nunca se desvendará e onde também “não te safas sem umas rodas”. A Paris systéme D. Dê de desenho.
A São Paulo de Inês Moura e Maura Grimaldi, Sampa, é um espelho crematório. Mãos secretas vão dobrando uma imagem e São Paulo descontextualiza-se numa migalha de luz. É como no exemplo proposto por Robert Smithson para nos falar do conceito de entropia, (a criança brincando na caixa de areia, misturando dois tipos de areia ao ponto em que não é possível distingui-las) o carácter irreversível do quotidiano, do que desaparece, do que permanece como que se elucida naquela metabolização das estratificações imobiliárias num vazio luminoso. A cidade-estado non ducor duco exemplifica a impressionante urbanização (e superlotação) do Brasil (em trinta anos atingiu o que levou noventa aos EUA). Mãos secretas vão mitigando um panorama de São Paulo. Há uma poética do impacto emocional e da sua fase interpretativa (articular a emoção da cidade amada/vista pela primeira vez, como material estético, racionalizá-la como o documento de uma tentativa de integração numa comunidade); uma poética construída em torno do desaparecimento cinemático da experiência vivida. É de uma negociação entre partes de que se fala, de quem chega e se encontra em descontinuidade, consciente do desenraizamento, do olhar incompleto e hipnotizado que é gerado pela experiência (parcial? turística?) da novidade, do irrepetível, de quem se coloca diante de um espaço com vida anterior e pergunta ao outro, interroga, pede orientação, pede que aquela esquina saia do fim do mundo.
E finalmente temos os edifícios-cidade de Vasco Mourão, minuciosos mil folhas arquitectónicos low-tech que percorrem alguns dos equívocos espaciais da vida intra e extra muros. São exercícios idiorritmicos (um termo barthesiano) feitos a caneta sobre os conflitos latentes da ideia de condicionamento: intimidade e opressão, enraizamento e nomadismo, fetichização e desprendimento. Da cave ao sótão, do buraco escavado à tumefacção vertical ou à almofada em digressão aérea a arquitectura presentifica-se no seu dualismo clássico: construção por adição de partes (o vazio sério do espaço cartesiano contraposto à acumulação cómica e descentrada de elementos) ou por extracção (aquela concavidade repleta de escada e janelas, um bairro vertical invertido poderá ser uma encarnação em grande escala da vida intra-uterina? O regresso ao conforto da penumbra, ao favo da colmeia?). A arquitectura então delineada como o futuro do que ainda não aconteceu sob a aparência daquilo que foi imaginado/vivido; ou ainda a cultura (os mores) arquitectónica como se aproximando do futuro das suas origens através da repetição (aqui, nesta glosa, entendida como a procura do autentico, como a crítica do simulacro, do maneirismo e do readymade social). O poeta modernista russo Velimir Khlebnikov, para quem a actualidade tem também que ser nostálgica (isto é, tem que reconhecer que as mensagens do passado alcançam e são audíveis ainda com potencial heróico no realismo incompleto do presente histórico) gostaria certamente da estranheza visual destes ensaios onde a isotropia europeia é entrançada no oriente otomano (da Alexandria desenhada pelos enciclopedistas de Napoleão à Transcaucásia como maternidade da Europa). Terminemos com Roland Barthes: O texto (a arquitectura desenhada, aqui) é um tecido de citações extraídas dos diferentes centros de cultura.
Nota: Evento associado ao Núcleo de Cidades, Culturas e Arquitectura.
Exposição integrada na XIII Semana Cultural da Universidade de Coimbra.