ECOSOL - Economia Solidária

Seminário #3 | «Conversas Desconfinadas»

Para lá de todas as pandemias, a vida e o trabalho digno no centro da economia

Dora Fonseca

Teresa Cunha

23 de junho de 2020, 16h00 (GMT +01:00)

Evento em formato digital

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 23 de junho o terceiro semanário “Conversas Desconfiadas”, promovido pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, subordinada ao tema Para lá de todas as pandemias, a vida e o trabalho digno no centro da economia.

Este seminário contou com a participação de Dora Fonseca e Teresa Cunha, investigadoras do Centro de Estudos Sociais, e com os comentários de Luísa de Pinho Valle, Raquel Ribeiro e Tiago Oliveira, investigador/as da mesma instituição.

O seminário teve início com a intervenção de Dora Fonseca. A investigadora iniciou a sua intervenção referindo como o teletrabalho surgiu como uma solução necessária para manter a atividade profissional e evitar a extinção de postos de trabalho que seriam difíceis de manter no contexto atual. Não obstante, o teletrabalho pode vir a tornar-se uma caixa de pandora, tendo tantos efeitos positivos como negativos.

Se, por um lado, o teletrabalho permitiu reduzir deslocações pendulares entre casa e trabalho, a pegada ecológica dessa deslocação e diminuir consideravelmente os custos de trabalho necessários para garantir as condições de trabalho dos trabalhadores, por outro lado, estes custos foram transferidos para os trabalhadores, uma vez que a sua casa se tornou simultaneamente em espaço familiar e espaço de trabalho.

As circunstâncias em que foi implementado também não são as mais favoráveis. No contexto de confinamento muitos trabalhadores têm de prestar assistência a familiares dependentes ou partilhar o seu espaço de trabalho com elementos do agregado, criando problemas como o aumento do tempo de trabalho, a separação da vida pessoal e da vida profissional ou a exigência de trabalho fora do horário regular por parte dos empregadores.

A investigadora sublinhou ainda que os sindicatos terão que se adaptar a esta nova realidade e fazer uma avaliação dos efeitos positivos e negativos do teletrabalho, para poderem participar ativamente no debate em torno das alterações que eventualmente terão de ser feitas à legislação vigente para melhor salvaguardar os direitos dos trabalhadores.

Usou da palavra em seguida Teresa Cunha, que questionou como poderíamos utilizar a pandemia para repensar o modelo de sociedade e de economia que temos. A pandemia revelou desigualdades profundas no mundo e desencadeou uma série de reações autoritárias e uma tecnologização forçada das relações sociais e profissionais, escondidas por detrás das metáforas da guerra planetária e de que a economia parou.

A investigadora elaborou que a economia política que vigora tem em si uma falsa contradição que a pandemia veio demostrar: a dualidade entre capital e vida, que toma o mercado como sendo sacrossanto e inquestionável, recusando qualquer alternativa ao mesmo. Mas a realidade é que este capitalismo vive consumindo a vida e os recursos de outros, numa forma de colonialismo na qual os colonos devoram os colonizados, que são deixados sem voz ou capacidade de reivindicação, pois também eles estão subjugados às lógicas do capitalismo.

O primeiro comentário às intervenções esteve a cabo de Luísa de Pinho Valle, que frisou como o teletrabalho promoveu uma fantasia da utilização do tempo que não correspondeu ao que os trabalhadores verificaram, que houve ao invés uma flexibilização do trabalho, uma intersecção entre o espaço do trabalho e o espaço doméstico e uma sobrecarga do trabalho doméstico, sobretudo para as mulheres, que foram mais afetadas pela pandemia que os homens.

A investigadora salientou que são necessárias alternativas ao modelo económico baseado no lucro e que enfrenta três pandemias: a da fome, do Covid-19 e da perda do coletivo em favor de uma ínfima percentagem da população e de grandes grupos que estão a lucrar com a crise. A alternativa deve colocar a vida no centro das prioridades, procurando novas relações de produção e consumo sustentáveis e não promotoras de violências e desigualdades.

Seguiu-se o comentário de Raquel Ribeiro, que abordou as contradições do capitalismo e as ilações positivas a tirar da pandemia. A ideia de que o capitalismo consumista é única alternativa possível foi provada errada pela própria pandemia, que permitiu também que fossem tomadas medidas impopulares e que atentavam contra formas de estar e viver enraizadas, como as liberdades individuais ou interações sociais, tendo estas sido aceites em nome de uma necessidade maior. Se tal é possível, a ideia de que fenómenos globais, por exemplo, os paraísos fiscais, não podem ser alvo de uma intervenção concertada entre países não faz sentido.

A investigadora apontou ainda como a pandemia possibilitou novas formas de cuidar, lidar com a doença, demonstrou que é possível atingirmos sustentabilidade ambiental e fez-nos pensar na qualidade de vida e naquilo que queremos para depois da crise, sublinhando que não basta retornar ao que havia anteriormente.

Para encerrar os comentários, Tiago Oliveira falou do mercado de trabalho, altamente debilitado por quatro décadas de fragilização dos direitos dos trabalhadores e precarização do trabalho, sublinhando o falso debate entre economia e saúde, uma vez que não pode haver economia sem saúde e vice-versa.

O investigador apontou ainda medidas que podem dinamizar a economia no pós-Covid-19: promover um rendimento universal garantido substancial como forma da reduzir a pobreza e garantir às classes mais desfavorecidas algum poder de negociação laboral e fomentando o consumo, estando demonstrado que esta medida não reduz o a procura de emprego; a reindustrialização como forma de evitar que a maior parte das cadeias de produção de bens como os de saúde e ligados à indústria médica estejam dependentes dos países asiáticos, que como vimos durante a pandemia, criam sérios problemas de dependência entre os países. São ainda setores que criam muitos postos de trabalho e trabalho qualificado; e o fortalecimento do emprego no setor público, sobretudo na área da saúde, que se viu fragilizada por anos de desinvestimento, destruturação das carreiras e baixos salários, a par do que sucedeu na função pública, e que fragiliza o estado, que terá necessariamente que assumir um papel de liderança no pós-crise, como sucedeu ao longo da história.


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