ECOSOL - Economia Solidária

Seminário #6 | «Conversas Desconfinadas»

Emergência climática e pandemia

Patrícia Vieira (CES)

14 de julho de 2020, 16h00 (GMT +01:00)

Evento em formato digital

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 14 de julho a sexta sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfiadas”, promovido pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, subordinado ao tema Emergência Climática e Pandemia.

A oradora convidada desta sessão foi Patrícia Vieira, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que deu início à sessão aludindo ao caráter ficcional da pandemia. Quando as primeiras notícias de um surto viral em Wuhan, China, começaram a chegar-nos, parecia algo distante, saído de um filme de ficção científica. O globo foi apanhado de surpresa, porém, a pandemia era antecipável, tão só pelo simples facto de cientistas terem alertado para a possibilidade, tendo esses alertas sido ignorados.

Estas pandemias são cíclicas, tal como as crises do capitalismo. Se pensarmos no intervalo entre a Gripe Espanhola e a Grande Depressão, a diferença é uma década e meia. No caso que vivemos, a última crise foi em 2008 e passaram-se 11 anos até ao surgimento da COVID-19. A narrativa usada durante as crises, de voltar à normalidade, tem que ser repensada, pois talvez o estar em crise se tenha tornado no “novo normal”, dado que estas e de outras crises, em particular de saúde pública, têm vindo a tornar-se cada vez mais frequentes.

Mas esta crise é um produto de uma outra crise, a crise ambiental que teve as suas origens na Revolução Industrial e se agravou nas últimas décadas com a aceleração do aumento populacional. Se a COVID-19 tiver sido transmitida a humanos através de animais, a destruição de ecossistemas e a concentração humana em grandes aglomerados urbanos só potenciam estes riscos.

Porém, a pandemia também veio confrontar-se com um pensamento instalado - o da falta de alternativas. Se durante o século XX se transitou da utopia para a distopia, numa substituição dos discursos de esperança por discursos de inevitabilidade e conformidade. A pandemia permitiu-nos verificar que é possível alterar profunda e rapidamente as formas de produção e consumo humano, pelo que não é de todo verdade que não existam alternativas.

O primeiro comentário ficou a cargo de Carlota Houart, investigadora júnior do CES, que se focou nas relações entre os seres humanos e as formas de vida não-humanas. Desde o Iluminismo que houve uma dissociação entre sociedade e natureza, na qual esta última é mera fornecedora de recursos e utilizada instrumentalmente. O desenvolvimento económico tem sido o expoente máximo desta lógica e está predicado na ideia de que esta é a única via para o progresso, que é ele próprio definido de uma forma linear e incremental, que descura o que não é explicitamente económico.

A ideia de que a economia é algo diferenciado da ecologia não é, mesmo nos dias de hoje, universal. Como a investigadora apontou, entre culturas como os Maori, Nova Zelândia, a ideia de economia tem assente um princípio ecológico a ela intrínseco, mas também podemos encontrar exemplos no Buen-Vivir ou Vivir Bien, que os Quéchua dos Andes (América do Sul) praticam.

O segundo comentário foi da investigadora do CES Rita Campos, que abordou os problemas ambientais das últimas décadas e o seu impacto na saúde pública. Rita Campos sublinhou que mais de 75% das doenças infectocontagiosas emergentes têm tido a sua origem em animais, algo que se espera que se mantenha ou se agrave no futuro e que a COVID-19 foi apenas mais um caso, que se destacou pela sua dimensão.

É a manifestação de uma visão antropocêntrica e da desconexão entre o ser humano e os demais seres vivos, que são encarados como existindo para o seu sustento e para responder a necessidades do mercado, algo que, em Portugal, é demonstrado pela tolerância para com os crimes ambientais. Mas a pandemia vem precisamente evidenciar o caráter de interdependência e interligação entre os vários sistemas, entre humanos e restantes seres vivos, que quando há uma disrupção num sistema os efeitos propagam-se a outros sistemas.


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