ECOSOL - Economia Solidária

Seminário #8 | «Conversas Desconfinadas»

Criação e Produção Cultural em confinamento: Que desafios?

Pedro Pousada

Shirlei Torres Perez

Tiago Vinagre Castro

28 de julho de 2020, 16h00 (GMT +01:00)

Evento em formato digital

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 28 de julho a oitava sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfiadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, subordinado ao tema Criação e Produção Cultural em confinamento: Que desafios?

A sessão teve início com a intervenção de Shirlei Torres Perez, na qual a investigadora do CES descreveu a experiência do setor artístico brasileiro no contexto de pandemia. As chamadas “artes vivas”, que são representadas em frente a um público e cuja presença desse público é uma componente indissociável da experiência artística, foram as que sofreram um maior choque com o encerramento das salas de atuação e a passagem para o meio digital, que constituiu uma reinvenção radical das performances.

Este choque não se deveu somente à menor procura por parte do público, como também por ser impossível reproduzir a performatividade de artes como o teatro em frente a salas vazias ou como visitar uma exposição. O artista performativo interage e controla o público com o corpo, o movimento, com a sua linguagem corporal. Mas virtualmente esse controlo perde-se, assim como a mística teatral. Porém, a investigadora questionou se esse controlo não seria ele próprio uma resistência à mudança do meio artístico.

Shirlei Perez também levantou a questão de como se terão manifestado os consumos culturais em contexto de quarentena. Terão as pessoas procurado as formas culturais que já conheciam, ou terá a pandemia levado ao consumo de outros produtos culturais?

Para terminar, a investigadora questionou como se procederá a reabertura das salas artísticas e o gradual retomar da normalidade. Tendo em conta que muitas salas fecharam definitivamente, uma vez que estavam dependentes de receitas próprias, e que uma parte considerável da população terá dificuldades financeiras em função da crise, quem afluirá a essas salas? Isto poderá levar ao agravamento das desigualdades no acesso às artes, o que só pode ser evitado com a utilização estratégica de instrumentos financiadores da cultura.

Seguiu-se a intervenção de Tiago Vinagre Castro, investigador do CES, que teve início com uma reflexão sobre a perceção do valor social dos artistas e da arte, tanto durante a pandemia como antes desta. Apesar da perceção desse valor ter baixado durante a pandemia, o consumo cultural aumentou através do meio online, com determinadas artes a saírem mais prejudicadas que outras, devido às dificuldades em se adaptarem ao novo meio, sobretudo artes de palco e que dependiam da interação com o público.

Tiago Castro também analisou alguns dos problemas de que o setor cultural padecia antes da crise, sublinhando as dificuldades em abrir um espaço com vista à exposição cultural, dadas as diversas licenças e taxas incluídas, que são particularmente desfavoráveis a projetos de menor dimensão. Existem também volumosas exigências feitas aos artistas para receberem financiamento de entidades públicas e que muitas vezes vão para além das competências dos próprios artistas, como exigências económico-financeiras.

A pandemia veio agravar a competição entre artistas que lutam pelas poucas oportunidades existentes, dada a gravosa situação de precariedade o setor necessita neste momento, mais do que nunca, unir-se e reivindicar melhores condições de trabalho.

A última intervenção da sessão ficou a cabo de Pedro Pousada, também investigador do CES. O investigador destacou que mesmo na Grécia Antiga, não obstante o artista ter um dos mais elevados estatutos sociais e da arte ser o passatempo preferido da cultura helénica, estes foram criticados por pensadores como Platão, Aristóteles ou Péricles. A perceção atual de que a arte é pouco relevante no contexto de crise não é nenhuma originalidade histórica.

Pedro Pousada sublinhou que vários dos problemas sentidos há anos no setor cultural são resultado da dificuldade que os artistas têm em criar pontes com outros artistas de áreas distintas, apontando para alguns exemplos de tentativas fracassadas de se criar associações de artistas ou grupos formais, culminando invariavelmente em recriminações mútuas.

Também destacou que a desvalorização social da cultura é um processo que tem vindo a acontecer há décadas e que se nota sobretudo no ensino básico, onde outrora o número de professores de artes e as atividades desta área era muito superior, tendo vindo consistentemente a cair nos últimos 20 anos. Sendo que a escola é o espaço por excelência para os jovens terem contacto com a arte e a cultura, as ramificações desta decisão política são as que vemos, como a desvalorização do setor.

Pedro Pousada sublinhou ainda que o Estado tem meios para devolver a dignidade aos trabalhadores da cultura e promover políticas culturais mais ambiciosas, não o fazendo por opção política e não por falta de recursos, uma vez que não vê a cultura e a arte como áreas merecedoras de maior investimento público.


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