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Seminário #12 | «Conversas Desconfinadas»

A ruidosa urbanidade de (quase) todos os dias

Carlos Fortuna (CES/FEUC)

22 de setembro de 2020, 16h00 (GMT +01:00)

Evento em formato digital

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 22 de setembro a 12ª sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfinadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tendo como tema A ruidosa urbanidade de (quase) todos os dias.

A sessão teve como orador convidado Carlos Fortuna, investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), que abordou uma sociologia das sensibilidades existenciais, focada nas relações dos sujeitos com o mundo, mais concretamente sobre o mundo social do ruído.

Carlos Fortuna começou por contrastar a audição com a visão através do argumento de Georg Simmel, de que a audição é um sentido passivo, somente capaz de receber informação, a visão permite tanto receber como emitir, pois através da visão podemos comunicar e interagir com outros seres humanos, transmitir sentimentos ou signos não verbais, transparecer emoções, etc.

Seguidamente, o professor discutiu os impactos que a pandemia surtiu nas cidades, sobretudo durante o confinamento, resultando naquilo que designou por cidades desalmadas. As cidades definem-se pelos contantes fluxos de pessoas, pela mobilidade, atividade, dinâmicas. O confinamento suspendeu todas essas dimensões que conhecemos e a que nos habituámos, substituindo-as por um silêncio ensurdecedor – o silêncio urbano – uma vez que os ruídos do mundo natural continuaram a existir (aves, vento, árvores) mas o ruído gerado pela atividade e presença humana a que estamos habituados nos espaços urbanos quase desapareceu.

Carlos Fortuna concluiu com a ideia de que temos medo do silêncio. Desde o século XIX e da Revolução Industrial que associamos o ruído ao desenvolvimento e o silêncio à estagnação ou à vida antiga. O silêncio e o vazio despertam temor, um sentimento de inquietação, a juntar-se à já perturbadora imagem das cidades desertas, que despoletaram em nós estranheza, ansiedade e pavor, entre outros efeitos sociopsicológicos.

O primeiro comentário à sessão ficou a cargo de Giovanni Allegretti, investigador do CES, que abordou a relação social com o som. Nós somos socializados para nos relacionarmos com sons e a sua presença faz parte da vida. Exemplificou com um filme italiano dos anos 90, que corria cerca de 15 minutos sem som, para surpresa da audiência que gritava que a película estava danificada e para que o som fosse restabelecido, ignorando que esse silêncio era deliberado e fazia parte do filme.

O investigador também referiu que é necessário ouvir a voz de quem não consegue falar e de quem não se consegue fazer ouvir, sobretudo quando temos presente a oportunidade de repensar as políticas públicas do período pós-pandemia. Enquanto durante a pandemia muitas medidas foram tomadas de emergência sem que os cidadãos tenham sido ouvidos, algo atendível perante as circunstâncias, o facto de o desconfinamento ter-se procedido até ao momento numa lógica top-down, sem consideração pela participação cívica, é preocupante.

Para encerrar a sessão, o investigador do CES, Pedro Quintela, falou sobre como nem todo o ruído foi suspenso durante a pandemia, apontando para o exemplo da construção, que manteve alguma atividade mesmo durante o confinamento e foi dos setores que mais rapidamente procuraram retomar a plena atividade – atividade esta que nunca parou totalmente.

O investigador refletiu também sobre o ruído urbano em Portugal e o porquê desta questão suscitar tão pouco interesse da parte da população. Não só raramente toma parte em debates públicos, como até em debates técnicos tende a ser uma questão descurada do planeamento das cidades, o que levanta outras questões: aceitamos melhor o ruído diurno que o noturno? Há uma espécie de tolerância jurídica não-oficial para com o ruído em determinados contextos?

Pedro Quintela terminou frisando que a sonoridade e o ruído são questões complexas que devem envolver áreas dentro e fora das ciências sociais, para além da sociologia e antropologia, para que se possa considerar outras perspetivas destes problemas.


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