Seminário #4 | «Conversas Desconfinadas»

O que é uma economia política do cuidado?

José Reis (CES/FEUC)

30 de junho de 2020, 16h00 (GMT +01:00)

Evento em formato digital

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 30 de junho o quarto seminário “Conversas Desconfiadas”, promovido pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, subordinada ao tema “O que é uma economia política do cuidado?”.

O seminário contou com a participação de José Reis, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Coordenador do Observatório sobre Crises e Alternativas do CES, e com os comentários de Ana Cordeiro Santos, Giacomo D’Alisa e Sílvia Ferreira, investigador/as do CES.

José Reis abriu o seminário fazendo um breve diagnóstico da pandemia e dos impactos que a mesma teve a vários níveis. Destacou-se, sobretudo, o impacto que a pandemia tem tido no próprio capitalismo, que se viu forçado a parar. Se as suas caraterísticas de mobilidades intensas, transações e acumulação foram postas em causa pela pandemia, já as exclusões que promove não só se mantiveram como se agravaram. 

A pandemia também evidenciou uma série de fragilidades e vulnerabilidades institucionais a que o capitalismo e o modelo de desenvolvimento adotado por Portugal têm conduzido: a desindustrialização, o deslaçamento territorial, as opções de organização e ordenamento do próprio território e de uma política de concentração demográfica na Área Metropolitana de Lisboa, que tem sido conseguida através da precarização dos trabalhadores, assentes em lógicas de trabalho temporário, em plataformas logísticas, em construção civil, no turismo e outros ramos que saíram particularmente afetados pela pandemia.

Finalmente, José Reis retomou aquilo que designa de Economia Política do Cuidado, que é entendida pelo investigador como uma economia que tenha poder sobre si própria, quebre com as dependências mais graves valorizando os sistemas de produção, que promova o emprego - que é o grande mecanismo de inclusão social - e que assegure o bem-estar das comunidades, dos espaços, das aldeias e das regiões.

O investigador encerrou a sua intervenção sublinhando que as alternativas ao capitalismo vigente, apesar de várias, dificilmente poder-se-ão bater de igual com este. Porém, modelos como a Economia Política do Cuidado merecem ser considerados e este em concreto talvez consiga dar alguns contributos em torno de cinco áreas-chave: indústria e sistema produtivo, território, serviços, Europa e Estado.

Seguiu-se o primeiro comentário, a cargo de Ana Cordeiro Santos, que se focou nas questões reprodução social e da importância do Estado enquanto garante de serviços essenciais e única entidade capaz de mobilizar recursos a um nível capaz de lidar com a situação atual. O primeiro exemplo apontado foi o do Serviço Nacional de Saúde e de como a mobilização de recursos do Estado foi predominante na primeira fase da pandemia. Seguiu-se o exemplo do ensino e de como a pandemia exacerbou as desigualdades do acesso a um bem que se quer universal, deixando muitos alunos sem acesso ao ensino à distância.

O último exemplo foi o do setor dos transportes públicos, cujas concessionárias optaram por reduzir as carreiras por forma a maximizar as receites e, como tal, forçam os utentes a correr riscos acrescidos de contágio, numa altura em que se esperava que as carreiras aumentassem precisamente devido ao contexto de pandemia, cenário este que não se verifica nos serviços públicos de transporte. Este exemplo também permitiu contrastar outros em que o Estado falhou ao relegar para o setor privado responsabilidades que eram suas e criando bloqueios ao acesso de bens de cariz universal, como é o caso do Serviço Nacional de Saúde.

A intervenção seguinte foi a de Giacomo D’Alisa, que abordou as questões da prestação de cuidados e como a própria conceção de cuidado foi alterada pela pandemia, que não só exigiu novas formas de encarar o cuidar, como também evidenciou que não se tem feito o suficiente nesta área. Quer se trate de cuidar no contexto familiar, no contexto dos vizinhos ou no contexto da comunidade.

Giacomo destacou também como a crise do cuidar está relacionada com o capitalismo e como estão em planos opostos: enquanto o capitalismo está interessado em maximizar os lucros, o cuidar zela pelo bem-estar dos outros, da sociedade e das comunidades, pelo que são posições diametralmente opostas e que incompatibilizam que uma lógica que aposte no cuidar enquanto desígnio social ao mesmo tempo que se privatiza e transfere para o setor privado capitalista a responsabilidade de gerir a prestação de cuidados, facto este bem demonstrado pela forma como o capitalismo tem vindo a lucrar com a pandemia.

O último comentário foi de Sílvia Ferreira, tendo a investigadora centrado a sua intervenção no setor social e na economia social e solidária, e em alternativas para a mercantilização e financeirização das funções sociais do Estado. Sílvia Ferreira apontou os trabalhos de Karl Polanyi sobre o princípio da reciprocidade e de Marcel Mauss sobre a dádiva como exemplos de relações económicas não-mercantis.

Este tipo de relações tem um caráter relacional e permitem o estabelecimento de relações sociais, que assinalam a interdependência entre indivíduos e os laços sociais. Nesta perspetiva, o dinheiro não é uma mercadoria, mas um meio de financiar a troca, que visa fortalecer relações sociais, contrariamente à abordagem financeira do dinheiro.

Sílvia Ferreira terminou sublinhando que o terceiro setor e a economia social têm sido fundamentais para fortalecer ou fazer compreender as lógicas económicas que não são mercantis. Não existindo pressão para o lucro, não se promove uma financeirização dos serviços e o seu valor não é sinalizado pelo lucro, ou pelo valor monetário. Esta diferença é muito relevante e atesta como a transferência de serviços do Estado e do setor social para a esfera privada implica uma mercantilização dos bens e serviços públicos ou dos cuidados.


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