Seminário #16 | «Conversas Desconfinadas»

Instituições e agentes culturais: reinvenção e reconexão com a sociedade

Lorena Sancho Querol

Luciane Lucas dos Santos

Paula Sequeiros

20 de outubro de 2020, 16h00 (GMT +01:00)

Evento em formato digital

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 20 de outubro a 16.ª sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfinadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tendo como tema Instituições e agentes culturais: reinvenção e reconexão com a sociedade.

O seminário iniciou-se com Lorena Sancho Querol aludindo a Stuart Wall e à sua definição de cultura, entendida como “um sistema coletivo de significados socialmente construídos e culturalmente partilhados”, assim como à Declaração de Salvador, que define cultura como “um bem de valor simbólico, direito de todos e fator decisivo para o desenvolvimento integral e sustentável.” Estas definições serviram de mote para uma pequena introdução, na qual a investigadora sublinhou que a cultura foi recentemente considerada como o quarto pilar para o desenvolvimento sustentável, sendo simultaneamente um mediador entre os outros pilares.

Lorena Sancho Querol acrescentou que o confinamento reconfigurou os nossos processos criativos e culturais, servindo esta edição do seminário para trocar experiências e pensar em novas possibilidades. Mais tarde, a investigadora partilhou também uma reflexão sobre os impactos que a pandemia teve nos museus e como estes se reinventaram. Na museologia repensaram-se os lugares: como os museus funcionam, como se faz o trabalho de museologia e como se pode melhorar esse trabalho, permitindo reavaliar como trabalham os museus e estes reinventarem-se no sentido de ouvir a voz das pessoas e aproximarem-se destas. Os museus também tiveram que repensar as métricas de avaliação, tais como receitas de bilheteira, vendas nas lojas e número de visitas, acabando por trocar números por conexões.

Seguiu-se a comunicação de Paula Sequeiros, que se iniciou destacando como as crises por vezes põem a nu aquilo que já tínhamos à frente dos olhos, permitindo ganhar outra consciência e atribuir novos significados. Em Portugal, os trabalhadores da cultura começaram a ir para a rua reivindicar o estatuto de “verdadeiros” trabalhadores, algo que implicaria passarem a ter contratos, remuneração e condições de vida digna.  O que tem acontecido tem sido o contrário e o período de confinamento revelou que estas pessoas estão altamente fragilizadas. Em 2018, havia cerca de 160 mil portugueses a trabalhar no setor das artes e do espetáculo, estando um quarto com o estatuto de trabalhador independente e, por conseguinte, desprovidos de qualquer proteção social.

Abordando as formas alternativas de fruição cultural na internet com a pandemia, Paula Sequeiros partilhou o exemplo do Bode Inspiratório. Este folhetim escrito em série foi original tanto na sua conceção como na sua estrutura. A ideia foi lançada em março através do Facebook, durante o confinamento e consistiu em 46 capítulos, cada um escrito em 24 horas pelo respetivo autor, sem que este soubesse qual o capítulo que lhe competiria elaborar e tendo total liberdade para levar a história na direção que quisesse, desde que continuasse o fio narrativo, a ser divulgado no Facebook às 12:00 horas.

A terceira oradora da sessão foi Luciane Lucas dos Santos, que iniciou a sua reflexão destacando três conceitos. O primeiro foi o conceito de Subaltern Counterpublics de Nancy Fraser, que remete para as arenas subalternas que são discutidas discursivamente, mas que importa chamar a atenção para a possibilidade da produção cultural nessas arenas subalternas, i.e. pensarmos nelas não apenas como um espaço discursivo, mas também como um espaço de produção da realidade, de produção material e de circulação de sentidos.

O segundo conceito é Principled Positions de Judith Squier, relacionado com a estética e o seu valor, que aborda o pensamento pós-moderno sobre como as categorias são contextuais, mas que neste caso não significa definir os limites, como quem pode dizer e quem não pode dizer quem faz o juízo estético. O terceiro conceito é o de Aesthetics of Uncertainty de Janet Wolff (estética da incerteza), no qual a autora vai ancorar o julgamento estético no conceito de comunidade, sendo essa comunidade constituída por especialistas.

Estes três conceitos serviram de base para a questão lançada por Luciane Lucas dos Santos: até que ponto a forma como nós construímos a ideia de juízo estético não define quem pode ou quem não pode participar desta tal comunidade e se o que temos visto no espaço da rua, na chamada "social distancing street art", não coloca em cheque a teoria da estética da incerteza.

A investigadora terminou abordando os protestos e manifestações registados em 2020 no seguimento do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, que motivaram as manifestações antirracistas organizadas em todo o mundo e que em alguns casos culminaram no derrube ou ataque a monumentos históricos. As opiniões dividiram-se entre uma tentativa de revisionismo ou branqueamento histórico e um ato de vandalismo. Luciane Lucas dos Santos assumiu uma terceira posição, inspirada por Daniele Sandler, sobre a negociação da produção de sentidos ao invés da negociação por mais capital simbólico ou cultural, sendo necessário questionar o juízo estético e o seu lugar na construção da memória.

O primeiro comentário da sessão ficou a cargo de Mauro Costa Couceiro, que começou por discutir as crises, oportunidades e perspetivas que surgem na condição atual. No meio de uma segunda vaga da pandemia e olhando para outros períodos de crise, descobrimos que estes períodos podem abrir caminho para novos ciclos de crescimento e prosperidade, estimulando a inovação, a criação de novas tecnologias e movendo a economia criativa, aludindo à ideia de que vivíamos numa sociedade ou economia do conhecimento, apresentada por Peter Drucker. Mauro Costa Couceiro aludiu também a Jane Jacobs e ao seu argumento de que é o conhecimento e a inovação que vêm das comunidades e das cidades que impulsionam o crescimento económico.

 

Para encerrar a sessão, Giuseppina Raggi falou sobre o isolamento e abandono que os trabalhadores do meio artístico e cultural sentiram durante a pandemia, em particular no período de confinamento. Os artistas e agentes culturais foram das classes mais afetadas pela pandemia, uma vez que a larga maioria viu os seus trabalhos desaparecerem. Muitos ainda não puderam voltar a atuar devido às medidas de segurança, que se manterão em vigor durante os próximos meses, deixando estes trabalhadores sem qualquer fonte de rendimento e meios para sobreviver.

 

 


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