Seminário #7 | «Conversas Desconfinadas»
Impacto(s) da COVID-19 nas relações parentais e conjugais
Alda Portugal
Maria Filomena Gaspar
21 de julho de 2020, 16h00 (GMT +01:00)
Evento em formato digital
Relatório do Seminário
Decorreu no dia 21 de julho a sétima sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfiadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, subordinado ao tema impacto(s) da COVID-19 nas relações parentais e conjugais. As oradoras convidadas desta sessão foram Alda Portugal investigadora do CES e professora da Universidade da Madeira e Maria Filomena Gaspar, investigadora do CES e professora da Faculdade de Psicologia e Ciência da Educação da Universidade de Coimbra. As comentadoras convidadas foram Paula Casaleiro e Tatiana Moura, investigadoras do CES.
A sessão teve início com a intervenção de Alda Portugal, na qual a investigadora avançou com os dados preliminares de um projeto de investigação longitudinal, dedicado ao estudo dos impactos psicossociais na conjugalidade causados pela COVID-19.
O estudo em questão visou comparar as perceções dos inquiridos sobre os impactos da pandemia em dois momentos distintos: durante o confinamento e após o confinamento, tendo Alda Portugal apresentado algumas das conclusões deste estudo, sublinhando que a esmagadora maioria dos participantes foram mulheres e que quase todos os respondentes possuem formação superior. A maioria dos participantes são também casados e têm filhos, sendo a área profissional a saúde e medicina a que mais se destacou.
Sublinhou-se que os cônjuges que trabalhavam em regime de teletrabalho se sentiram mais afetados, sobretudo durante o período de desconfinamento. Inquiridos sem filhos também registaram maiores indicadores de depressão que inquiridos com filhos. Nota-se também que indivíduos menos satisfeitos com a sua situação de habitação sentem mais descontrolo sobre a situação do COVID-19 e maior impacto emocional devido à pandemia que os indivíduos satisfeitos com a sua habitação.
Para além destes resultados, a investigadora destacou que os homens sentem que possuem maior controlo e compreensão da situação do que as mulheres e que as mulheres sentiram um maior impacto emocional que os homens.
Seguiu-se a intervenção de Maria Filomena Gaspar, também sobre burnout parental. À semelhança do estudo anterior, este estudo também contou com uma taxa de resposta de 81% de mulheres, estando a idade média dos respondentes nos 41 anos, o número de anos de escolaridade nos 17 e 1,7 filhos por casal. A investigadora começou por frisar que burnout parental não é somente exaustão, apontando para dimensões como a saturação (ter dificuldades em continuar a ser pai), distanciamento (ser menos capaz de demonstrar sentimentos positivos) e contraste (sentimento de não ser tão bom pai ou mãe como anteriormente), definindo burnout como um desequilíbrio entre as exigências da condição da parentalidade e os recursos disponíveis para dar resposta a essas exigências.
De entre as perceções de mudança no burnout parental em função do confinamento, destaca-se que ligeiramente mais inquiridos afirmaram sentir mudanças negativas (23,8%) que aqueles que afirmaram sentir mudanças positivas (20,9%), apesar de ambos os valores se encontrarem surpreendentemente próximos. Porém, a maior parte dos respondentes afirmou não ter sentido qualquer mudança significativa (38,3%). Estes dados apontam para que nesta amostra, o confinamento tenha tido praticamente tantos efeitos positivos como negativos.
Destes valores, os pais que percecionaram mudanças negativas tendem a ser mais novos que os que não percecionaram qualquer mudança. Também tendem a ter mais escolaridade que os que percecionaram mudanças positivas. Por outro lado, os pais que tinham mais crianças a viver em casa percecionaram mudanças mais negativas. O burnout sentido também foi maior no caso em que as crianças tinham menos de 4 anos.
É ainda de sublinhar que o burnout foi maior nos pais que faziam mais uso de cuidadores formais fora de casa ou de serviços como creches, atividades extracurriculares ou similares. Também relevante foi que os pais residentes em cidades e que não dispunham de espaços para as crianças brincar percecionaram um maior burnout que os que residiam no campo. A dimensão da habitação revelou-se pouco significante.
Por fim, Maria Filomena Gaspar destacou que pais que responderam sentir maior burnout admitiram um aumento do número de situações de violência ou negligência infantil, algo que tem acontecido noutros países.
O primeiro comentário esteve a cargo de Paula Casaleiro, tendo a investigadora colocado algumas questões que gostaria que as oradoras explorassem melhor ou tentassem responder com os dados que dispunham. O caso que Paula Casaleiro sublinhou foi o do impacto do confinamento na justiça e nos casos de violência parental, assim como o acesso limitado das crianças a ajuda, sobretudo quando temos em consideração que durante o confinamento é difícil expor a situação e que só mais tarde tem sido possível conhecer os casos – algo também visível no exemplo do número de divórcios que cresceu rapidamente após o desconfinamento.
O segundo comentário coube a Tatiana Moura, que relacionou alguns dos resultados das investigações apresentadas com alguns conceitos, como a construção social da masculinidade e o que isso poderia significar para a melhor aceitação do contexto de confinamento, uma vez que responder o contrário demonstraria vulnerabilidade que é contrária à hegemonia normativa masculina.
Tatiana Moura também olhou para os casos em que os inquiridos admitiram ter sentido um efeito positivo do confinamento com o facto de alguns destes pais se terem visto pela primeira vez a conviver diariamente com os filhos, uma vez que dependiam de serviços de cuidados formais para conciliar a atividade profissional com a parentalidade, tendo o confinamento possibilitado o convívio entre pais e filhos – algo também verificado noutros países.
Por outro lado, também questionou como se terá dividido o tempo despendido com os filhos e outras atividades domésticas e do lar, uma vez que tanto homens como mulheres admitiram estar a gastar mais tempo com estas, mas não em igual proporção, estando o ónus principalmente nas mulheres.