Seminário #17 | «Conversas Desconfinadas»

Genocídio e as facetas do racismo institucional

Luana Coelho

Sebijan Fejzula

27 de outubro de 2020, 16h00 (GMT)

Evento em formato digital

Relatório do Seminário

Decorreu no dia 27 de outubro a 17ª sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfinadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tendo como tema Genocídio e as facetas do racismo institucional.

O seminário teve início com a apresentação de Luana Coelho, investigadora no projeto POLITICS: The politics of anti-racism in Europe and Latin America: knowledge production, decision-making and collective struggles, subordinada aos regimes de negação do racismo na América Latina, em especial no Perú e no Brasil e como estes estados incorporam uma agenda racista.

Luana Coelho começou por discutir o conceito de genocídio, a sua construção técnico-jurídica e como este conceito é central para a negação do racismo. No caso do Brasil, há uma construção teórica muito sólida sobre genocídio e há uma doutrina que tem ganho relevo, focada na compreensão do Estado Brasileiro como um estado anti-negro, aspeto que explica a naturalização das mortes e até a sua necessidade como justificação para o funcionamento da democracia.

A investigadora referiu duas citações particularmente pertinentes, de trabalhos académicos sobre o tema, aquilo que Ana Luiza Flauzina designa por projeto genocida do Estado: “o racismo foi o amparo ideológico em que o país se apoiou e se apoia para se fazer viável. Viável, obviamente, nos termos de um pacto social racialmente fundamentado, do qual as elites nunca abriram mão”, ou ainda como disse Abdias Nascimento, “O Estado Brasileiro foi pensado pelos brancos e para brancos”, sendo que a morte negra existe para a produção da vida branca, datando este seu pensamento a pelo menos 1978, aquando da publicação d’O Genocídio do Negro Brasileiro.

Luana destacou que o conceito de genocídio, a par de outros como crimes contra a humanidade, são deliberadamente vagos dificilmente passíveis de prova, algo que já Stanley Cohen houvera escrito na sua obra Estados de Negação, ideia esta que se estende às convenções internacionais. No caso Brasileiro, o crime de genocídio implica a intenção de exterminar um grupo específico, requerendo então deliberação e conhecimento das repercussões da ação, sendo a intencionalidade facilmente demonstrada em julgamento.

Para terminar, a apresentação focando-se na omissão dos casos de racismo institucional e genocídio que o Estado Brasileiro tem promovido através de não-divulgação de relatórios que deveriam ser publicados ao abrigo de protocolos internacionais e do branqueamento de informações oficiais que possam transparecer casos de racismo ou genocídio no país.

Seguiu-se a apresentação de Sebijan Fejzula, também investigadora do projeto POLITICS, que focou na análise das condições que possibilitam o genocídio contra a população romani ou cigana na Europa. A discriminação contra ciganos na Europa está ligada a um legado de violência política, que só terminou com a Segunda Guerra Mundial devido à instituição dos regimes democráticos e de direitos humanos. Um destes exemplos foi a grande perseguição perpetrada pelo Rei de Espanha em 1749 e que resultou na captura e internamento em campos de trabalho forçado de aproximadamente 10 mil ciganos, incluindo mulheres e crianças.

Este caso não é entendido como um genocídio, pelo que nunca se procederam a reparações. Não foi possível provar o ato de genocídio de acordo com o direito internacional e a definição de genocídio consagrada nas leis. Tal ato é uma consequência de uma ideologia que distingue humanos de não-humanos, que se manifestou novamente durante a Segunda Guerra Mundial, com o partido nacional-socialista na Alemanha a designar os judeus de vermes e demónios, logo não humanos e passíveis de serem executados sem reserva e à margem de qualquer lei.

O primeiro comentário coube a Yuderkys Espinosa Miñoso, ativista e fundadora do grupo GLEFAS – Grupo Latino-americano de Estudos, Formação e Ação Feminista, que continuou a linha de pensamento das oradoras, abordando algumas questões. Uma delas foi como pensar o racismo no meio académico, exemplificando como a sociologia do racismo é escrita maioritariamente por Europeus brancos que concebem o fenómeno como sendo passível de ser corrigido num quadro institucional e dentro da ordem democrática moderna, através de leis e posturas normativas, ações afirmativas e penalização de práticas de discriminação racial. Yuderkys também aventou que os regimes democráticos compactuam com o genocídio ao assumirem posturas coniventes com determinados regimes que incorrem nestes atos e ao consentirem que a lei internacional seja vaga e inconsequente a este respeito.

Para encerrar a sessão, Danielle Araújo falou na impermeabilidade das instituições perante genocídio e como o racismo institucional atravessa essa impermeabilidade. Danielle alude a Immanuel Wallerstein, que argumentou que a solução final dos nacional-socialistas era a antítese da lógica do racismo no sistema-mundo capitalista, uma vez que o seu propósito não é o de excluir ou matar indivíduos, mas antes mantê-los dentro desse sistema, para que possam ser explorados e usados como bodes expiatórios. Ora, não seria o racismo o aspeto chocante do nacional-socialismo, mas o radicalismo do mesmo.

A investigadora discutiu também a categoria de genocídio – termo este cunhado pelo advogado Polaco Raphael Lemkin em 1944 para denunciar as atrocidades do nacional-socialismo no seu país. Danielle Araújo utilizou o trabalho de Lemkin para apontar como o conceito de genocídio era menos restritivo do que a definição adotada pela Convenção do Genocídio de 1948.


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