Seminário #13 | «Conversas Desconfinadas»
Gestão da contingência em tempos de pandemia
Alexandre Oliveira Tavares (CES/FCTUC)
29 de setembro de 2020, 16h00 (GMT +01:00)
Evento em formato digital
Relatório do Seminário
Decorreu no dia 29 de setembro a 13.ª sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfinadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tendo como tema Gestão da contingência em tempos de pandemia.
A sessão teve como orador Alexandre Tavares, investigador do Centro de Estudos Sociais e Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, que abordou o planeamento durante as várias etapas da pandemia e a gestão de risco em Portugal. Alexandre Tavares iniciou a sua apresentação aludindo a um artigo de Fischer sobre a gestão de crises, no qual o autor sublinha duas dimensões para estabelecer uma hierarquia de seriedade: a escala da crise (o quão grave é) e o impacto (o grau de perturbação). Pensar na recuperação passa necessariamente pela consideração destes dois eixos.
Focando o caso português, o investigador destacou a necessidade de explicar a estratégia de gestão adotada, sublinhando dimensões como a quem são dirigidas as medidas, a coerência da abordagem e das medidas, a proporcionalidade das mesmas, a transparência e a responsabilidade, tanto dos decisores como dos indivíduos. Referiu também a falta de transparência e fundamentação da parte da Direção Geral de Saúde quando são tomadas medidas específicas, que se fundamentam mais em posições políticas que pareceres técnicos.
Só assim é possível promover boas práticas de gestão de risco passando pela identificação de potenciais constrangimentos, alertando para possíveis consequências negativas, reconhecendo o grau de incerteza associado às medidas, conhecendo as limitações ao desempenho, a necessidade de haver monotorização dos desempenhos e a importância de conhecer os custos e benefícios associados a cada opção.
Alexandre Tavares sublinhou ainda a sua experiência enquanto presidente do Conselho de Administração da Águas do Centro Litoral (AdCL), e como uma empresa de um serviço essencial como é a distribuição de água, teve de se adaptar à pandemia e traçar um plano de contigência próprio, para determinar os recursos humanos e técnicos críticos, designadamente trabalhadores e postos de trabalho, condições de trabalho no local habitual ou à distância, assim como os meios e recursos informáticos, entre outros
O primeiro comentário ficou a cargo de José Manuel Mendes, investigador do CES. Sublinhou que já havia um volume considerável de conhecimento sobre gestão de crises e catástrofes anteriormente à pandemia atual, conhecimento esse que foi largamente posto de parte, assim como os mecanismos existentes da gestão de crises da Proteção Civil, que só foram acionados numa fase posterior da pandemia, já após o fim do Estado de Emergência.
A União Europeia lidou com a pandemia de forma muito heterogénea, o que espelha um vazio doutrinário do próprio Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, que esteve largamente dependente da Organização Mundial de Saúde, instituição esta que teve uma estratégia de comunicação questionável no decorrer da crise. Contrastando com os surtos da Gripe A (H1N1) de 2009 e do primeiro Coronavírus (SARS-CoV-1) de 2003, nos quais a OMS apostou numa reação alarmista, com a COVID-19, alguns países atingidos por estes surtos tiveram relutância em levar a sério a atual pandemia.
Inversamente, Portugal decidiu utilizar medidas de contenção severas numa fase inicial da pandemia, recorrendo a várias limitações de liberdades e direitos individuais. Porém, o desconfinamento em Portugal procedeu-se também de forma abrupta, sem um planeamento multidisciplinar, contrariamente ao que sucedeu noutros países, como a Alemanha, a título de exemplo. Na visão deste investigador, Portugal tem mantido uma abordagem à pandemia caraterizada por algum obscurantismo, ocultando informação técnica e fundamentação para algumas das medidas adotadas nos últimos meses, que por vezes confunde a informação veiculada com a propaganda política na qual o Ministério da Saúde e a Direção Geral de Saúde têm estado implicados.
Seguiu-se o comentário de Neide Areia, que se focou nas questões éticas da gestão da pandemia. A investigadora salientou que a preparação para a crise é um processo cívico, pelo que deve ser aberto à sociedade civil. Porém, o que aconteceu foi precisamente o contrário, com um fechamento técnico dos decisores políticos, que concentraram em si desde o início da pandemia a informação e fizeram uma gestão política da mesma, à revelia de quaisquer princípios éticos.
As mudanças exigidas num contexto de crise de saúde pública devem ter sempre como base princípios e fundamentação ética, que irão refletir-se na maior ou menor aceitação voluntária dos cidadãos das recomendações, uma vez que depende do reconhecimento da fundamentação apresentada e não numa autoridade adquirida.
É fundamental, ao elaborar um plano de preparação para uma crise, considerá-lo como um ato ou um processo cívico. Estes planos não podem depender exclusivamente de imperativos de segurança dos cidadãos, mas também das suas liberdades, garantidas e direitos fundamentais. O que se verificou em Portugal foi o inverso: o paternalismo do Estado a fazer valer a sua autoridade sem reconhecer o direito dos cidadãos em participar na elaborar dos planos, questionar a supressão de direitos fundamentais ou em terem direito a uma explicação fundamentada para a tomada das decisões.