Seminário #11 | «Conversas Desconfinadas»

Doença Mental e Abandono no período da pandemia

Sílvia Portugal

Tiago Pires Marques

15 de setembro de 2020, 16h00 (GMT +01:00)

Evento em formato digital

Relatório do seminário

Decorreu no dia 15 de setembro a 11ª sessão do ciclo de seminários “Conversas Desconfinadas”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tendo como tema Doença Mental e Abandono no período da pandemia.

O seminário teve início com a intervenção de Tiago Pires Marques, que teceu algumas considerações sobre a pandemia. Sublinhou como nenhuma outra epidemia na história suscitou tantos estudos no campo da saúde mental. O investigador também salientou a importância de se considerar como a saúde mental tem sido conceptualizada, pensada e abordada no espaço público, tanto antes, como durante a pandemia e qual a finalidade destes discursos.

Seguidamente, Tiago Pires Marques discutiu o paradigma da saúde mental que vigora nas últimas décadas, ancorado na biomedicina. Tem-se conferido uma atenção crescente às perturbações mentais correntes, como a depressão ou a ansiedade e excluiu largamente do seu campo de intervenção as pessoas com diagnóstico psiquiátrico mais sério e que vivem a doença ou perturbação numa situação de relativa perniciosidade.

Para terminar, Tiago Marques frisou que a pandemia teve um enorme impacto nos cuidados de saúde que o Serviço Nacional de Saúde disponibiliza às pessoas que sofrem de doenças mentais. O número de consultas, que já era baixo antes da pandemia, foi drasticamente reduzido, a duração das mesmas diminuiu consideravelmente, as linhas de utentes e hospitais psiquiátricos têm trabalhado com muitas dificuldades… muitas consultas passaram para suporte telefónico ou digital, com todas as limitações que tal implica para os utentes.

Delfim d'Oliveira, Presidente da Direção da Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares, sublinhou diversas questões relacionadas com a falta de apoio institucional para as pessoas com problemas de saúde mental, evoluções no tratamento de determinadas patologias (como a substituição do lítio por outras alternativas com menos consequências para a saúde) e as dificuldades em ajudar estas pessoas no contexto atual de pandemia.

Seguiu-se a intervenção de Sílvia Portugal, que começou por abordar a prestação de cuidados e as redes de apoio e suporte das pessoas com doenças mentais. Há uma forte tendência para que o cuidado prestado a estas pessoas seja transferido do Estado para as famílias, que não só por vezes carecem de meios e conhecimento para lidar da melhor forma com a situação, como têm frequentemente dificuldades financeiras. Os cuidados familiares nem sempre são a melhor solução para os portadores de doenças mentais: também nestes contextos e de forma não dissimilar ao que se regista em muitos hospitais psiquiátricos, há uma institucionalização do poder, do controlo, da opressão e do desrespeito pelas liberdades das pessoas com doenças mentais.

A investigadora também discutiu as consequências do isolamento motivadas pela pandemia. Para quem já vivia uma vida resguardada ou até isolada antes da pandemia, a privação dos poucos minutos de interação social de que gozava tem um impacto muito maior do que na restante população. E apesar das ferramentas digitais serem possíveis substitutos, Portugal continua a ter um elevado nível de desigualdades no acesso à internet, desigualdades estas que afetam ainda mais estas pessoas devido à sua maior vulnerabilidade económica.

Sílvia Portugal terminou a sua intervenção destacando que as pessoas com doenças mentais necessitam de cuidados, mas também são elas próprias cuidadoras: muitas têm filhos, cônjuges, pais ou irmãos que apoiam e reduzir estas pessoas à sua condição de dependência de cuidados é perpetuar a sua estigmatização e incentivar o preconceito.

O primeiro comentário às intervenções ficou a cargo de Ana Raquel Matos, que discutiu os serviços de saúde mental em Portugal e a direção que têm seguido nos últimos anos. A investigadora deu o exemplo do Programa Nacional para a Saúde Mental e da campanha de prevenção do suicídio que está a promover neste momento. Sublinhou que apesar das limitações e da desvalorização da saúde mental por parte do Serviço Nacional de Saúde subsistem iniciativas positivas. Já discutindo as consequências da pandemia, Ana Raquel Matos sublinhou que seria desejável reencaminhar os doentes crónicos para os serviços de saúde mental, uma vez que estas pessoas se encontram em maior isolamento devido à sua vulnerabilidade acrescida à COVID-19 e que têm tido uma escassez de acompanhamento médico desde o início da pandemia.

Seguiu-se o comentário de Ana Teixeira de Melo, que abordou a responsabilidade social de cuidar de quem precisa. Muitas das causas das doenças mentais são produtos quer da sociedade quer da ação humana sobre o ambiente: o stress profissional, falta de espaços verdes, ambientes poluídos, maus-tratos, entre outros aspetos, são fontes de mal-estar humanamente criadas, pelo que cuidar não é só uma necessidade, mas antes um dever, pelo que se deve procurar ambiente e bem-estar, seguindo as lições da psicologia positiva. A investigadora exemplificou como em algumas culturas os profissionais de saúde e prestadores de cuidados tiraram ilações do mundo natural: o mal-estar de um é responsabilidade de todos, pelo que a ideia de institucionalizar alguém nem sequer é contemplada, uma vez que que o problema acontece por falha do grupo.

O último comentário ficou a cargo de João Arriscado Nunes, que abordou a questão das relações e interações sociais no contexto da pandemia.  As mesmas relações que tornam possível o cuidado, são também aquelas que possibilitam a propagação do vírus. A resposta encontrada foi o distanciamento social, um termo infeliz, uma vez que significa o afastamento das relações de sociabilidade quotidiana, quando o que se pretendia era um distanciamento físico. Ao passo que aprendemos a lidar com outros vírus como o HIV, Ébola ou a gripe, que têm condições específicas de transmissão, o SARS-CoV-2 requer uma reinvenção das formas de interação física. Não há mais abraços nem beijos e mesmo eventos singulares, como o nascimento ou o funeral, tiveram que ser repensados neste contexto. Portanto é necessário ainda aprendermos a lidar com a COVID-19 para prestar cuidados em segurança e salvaguardar a saúde dos cuidadores.


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