Seminário #5 | «Conversas Desconfinadas»
Confinamento e Violências
Madalena Duarte (CES)
7 de julho de 2020, 16h00 (GMT +01:00)
Evento em formato digital
Relatório do Seminário
Realizou-se no dia 7 de julho a quinta sessão do seminário “Conversas Desconfinadas”, promovido pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, subordinado ao tema Confinamento e Violências.
O seminário teve como oradora convidada Madalena Duarte, investigadora do Centro de Estudos Sociais e contou com o comentário das investigadoras Madalena Alarcão e Sílvia Roque (CES)
Madalena Duarte iniciou o seminário abordando a questão das violências que ocorrem nas relações de intimidade, sobretudo sobre mulheres, sublinhando que ainda é demasiado cedo para que os dados possibilitem uma análise sociológica rigorosa sobre as consequências da pandemia para as relações de intimidade. Apesar disso, referiu que nos encontramos de momento numa fase de transição e de incerteza, uma vez que paira a dúvida de se haverá um novo confinamento ou se estamos a caminhar para um pós-confinamento. Ainda assim, existem pistas que nos permitem refletir sobre a situação, até porque ela não é nova, uma vez que a pandemia não criou novas formas de violência na intimidade, mas veio agravar as já existentes.
A investigadora destacou três frases reiteradas nos últimos meses como base para a sua análise. A primeira “fica em casa” foi a que maior alarme social provocou, tornou-se uma necessidade pelo mundo fora à medida que a pandemia se propagava. A casa foi pintada como espaço de segurança, ideia romantizada, em particular no caso português, onde desde o Estado Novo o lar é visto como espaço de harmonia. Porém, para as vítimas de violência nas relações íntimas, a casa é um espaço que representa perigo, mais que qualquer espaço público. Pesa ainda que o ambiente de stress e tensão causado pelos meses de confinamento potenciaram o escalar da violência, estando vítimas obrigadas a conviver regularmente com agressores, o que também convidava a outras formas de violência, como prejudicar o teletrabalho ou a ciberviolência.
Apesar de Portugal ter tido pessoas no poder político particularmente sensíveis a esta questão, Madalena Duarte frisou que as respostas dadas às vítimas não são nem suficientes nem de confiança. As vítimas em Portugal tendem a ser forçadas a sair de casa, o que gera outros transtornos imputados à vítima e não ao agressor, já que se deveria permitir que as casas sejam espaço de segurança. A investigadora também destacou que apesar de a violência ocorrer na esfera privada, esta tende a causar impactos na vida profissional e social das vítimas, o que se pode agravar no contexto de confinamento. Também referiu que a precariedade laboral é conducente à menor procura de ajuda por parte das vítimas, pelo que as políticas de apoio devem sempre ter em consideração a situação económica.
A outra frase que Madalena Duarte abordou foi “estamos todos juntos”, que pressupõe desde logo uma homogeneização de pessoas que são e se encontram em diferentes condições. A pandemia veio agravar as vulnerabilidades e exclusões já existentes e as vítimas de violência experienciam diferentes formas de violência consoante fatores como a classe social, condição económica, grupo étnico, idade, orientação sexual, entre outros aspetos, que as empurram para as margens da sociedade e as afastam dos mecanismos de proteção e capacitação.
A terceira e última frase é o “vai ficar tudo bem”, que, apesar de ser uma mensagem de esperança bem-intencionada, tem inerente uma lógica de que pode haver um retorno à normalidade, sendo que para muitas vítimas de violência, a normalidade consistia numa situação de violência. Para as mulheres vítimas de violência, ficar tudo bem implica uma dignificação, capacitação e reconhecimento das suas dificuldades, que tem que ser direcionada aos processos que contribuem e criam a sua vulnerabilidade.
O primeiro comentário ficou a cargo de Madalena Alarcão, no qual abordou a importância das redes sociais, formais e informais, enquanto suporte às vítimas de situações de violência, redes estas que foram fortemente afetadas pela pandemia e que fragilizaram ainda mais quem já se encontrava numa posição de vulnerabilidade.
Madalena Alarcão destacou ainda a importância da educação das crianças e do contexto familiar como prevenção das formas de violência, o que requer hierarquias e relações de poder que separem os pais das crianças, mas que não se baseiem em violência, uma vez que o exercício de violência na família é um dos determinantes da reprodução de ciclos de violência.
O segundo comentário coube a Sílvia Roque, focando-se numa perspetiva global da violência e o olhar sobre as violências. A atual crise, como outras passadas, não criam violência, mas acentuam formas já existentes de violência. O caso da violência económica é paradigmático, com a precariedade e desemprego a surgirem como exemplos prementes da realidade. No cenário português, quase 90% dos novos desempregados vítimas da pandemia são mulheres, uma vez que os postos de trabalho afetados eram sobretudo ocupados por mulheres. Isto veio agravar ainda mais a condição de vulnerabilidade a que estas mulheres já estavam sujeitas anteriormente à pandemia.
Outros casos, como o do racismo e sexismo, vieram também demonstrar como as formas de violência transcendem as relações íntimas e têm-se manifestado nos discursos invocando uma linguagem bélica para abordar a pandemia. Desde dizer que estamos numa guerra, que o vírus é o inimigo, a referência a armas, etc, normalizam uma linguagem masculinidades nocivas. Este também é o caso dos profissionais de saúde, maioritariamente mulheres, que são designados de heróis que se encontram na linha frente, descritos como sobre-humanos, quando a sua carência não é de palavras, mas de meios e recursos. Por contraste, as mulheres que representam uma parte significativa da força de trabalho de áreas essenciais foram elogiadas pelo seu trabalho, mas isso não se refletiu em maior prestígio social das profissões em causa nem menor precariedade.