A liberdade de culto, em Portugal, é acautelada pela lei da liberdade religiosa. Durante o período de confinamento e de estado de emergência devido à pandemia de COVID-19, António Costa encontrou-se com líderes religiosos, em ordem a negociar com os mesmos o acatamento das medidas restritivas impostas pela situação, nomeadamente no que dizia respeito à suspensão de celebrações com multidões ou, no mínimo, dentro dos templos, dada a necessidade de preservar a distância social. O primeiro encontro foi com o Cardeal Patriarca de Lisboa, poucas semanas antes da grande peregrinação a Fátima do mês de maio, apesar de, um mês antes, o Cardeal de Leiria-Fátima, ter declarado, por sua própria iniciativa, o cancelamento da mesma. António Costa reuniu-se também com os líderes da comunidade islâmica de Lisboa. A Aliança Evangélica, que congrega sobretudo grupos religiosos pentecostais, criticou o facto de António Costa não ter tido uma interlocução com a mesma, o que viria a acontecer mais tarde. Não há notícia de contactos do Primeiro-Ministro ou do Ministério da Saúde com outros grupos religiosos, nomeadamente, com responsáveis das Igrejas Protestantes históricas com implantação em Portugal, ou com responsáveis por Terreiros, templos budistas, hindus ou outros. Esta assimetria reproduz, evidentemente, uma conceção da relevância de um grupo religioso com base na percentagem dos seus membros em relação à população em geral – critério sociológico questionável do ponto de vista antropológico e até político. Ora a questão verbalizada sobretudo por grupos conservadores da Igreja Católica, com maior poder e capacidade para se fazer ouvir nos meios de comunicação social, foi a da impossibilidade do culto durante o estado de emergência. Um dos argumentos utilizados inclusivamente no Parlamento (pelo CDS) pôs em contraste a autorização para a comemoração do 1.º de Maio pela CGTP e a suspensão das missas.
A impossibilidade de realizar celebrações religiosas durante o confinamento criou uma situação que merecerá uma análise futura mais aprofundada. Foram os próprios fiéis dos diversos grupos religiosos que procuraram formas alternativas, sobretudo, através de meios eletrónicos mais convencionais (aplicações de computador ou WhatsApp) e das redes sociais. Estas, tidas até então por alguns grupos religiosos como uma forma de encapsulamento individualista com um efeito de distração face à realidade, tornaram-se a forma de “encontro comunitário” e de mobilização para pequenos eventos de solidariedade, nomeadamente, com os doentes e os idosos e mesmo para o culto.
Todas as comunidades religiosas (ou, com maior rigor, aquelas que conseguem despertar o interesse dos meios de comunicação social) manifestaram a sua vontade de cumprir as medidas sanitárias impostas pelo governo, o que pode ser também revelador da consciência de que existe uma convergência entre o quotidiano cívico e a prática religiosa. É provável que a questão do “distanciamento social” ainda vigente continue a despoletar novas formas de “aproximação social” através do recurso a meios tecnológicos, embora tais alternativas possam gerar ou agravar formas de exclusão já existentes, dada o requisito da “literacia tecnológica”.
Como citar: Toldy, Teresa (2020), "Liberdade de culto e distância social", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 24.12.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30124. ISBN: 978-989-8847-24-9