Seminário
Guerra, desastres naturais e deslocamentos: Moçambique e o círculo vicioso do deslocamento forçado
Inês Macamo Raimundo (Universidade Eduardo Mondlane)
30 de outubro de 2014, 14h30
Sala 1, CES-Coimbra
Apresentação
Moçambique tem experiência de migrações forçadas por diferentes causas. Qualquer uma das causas sujeita famílias, de forma cíclica, a novos assentamentos, e reassentamentos. Deste modo, as famílias residem em dois ou mais assentamentos distintos, que são definidos entre a habitação da zona alta e a habitação da zona baixa; entre a casa de refúgio ou abrigo e a casa habitual de residência; entre o mato e a aldeia. Estas residências existem independente da situação económica ou do estatuto social de cada indivíduo. Distribuem-se geograficamente na mesma comunidade ou em outras unidades administrativas.
É verdade que a dinâmica dos deslocamentos é diferente entre os forçados por razões de instabilidade militar (guerra civil e hostilidades militares), económica (reconstrução e projectos económicos) e social (fuga ao feitiço e casamentos prematuros forçados) e os deslocamentos originados por razões de ordem natural (cheias, ciclones e secas). O ponto principal é que “Os moçambicanos são um povo em permanente mobilidade e sujeito a qualquer uma destas causas que os obrigam a sair e a regressar”. Este processo ocorre em círculo vicioso como é testemunhado nos seguintes depoimentos: “…Aqui se não fugimos da guerra, fugimos da fúria do Rio Limpopo…Nunca imaginei que o Rio voltasse a encher da mesma forma como aconteceu em 2000. Estou a reviver aqueles momentos…agora só me resta que as águas sequem para voltar para o meu espaço”, “…tenho duas casas; uma em Malawi e outra aqui em Meluluco. Nunca sei se a guerra acabou. Mas eu vou e volto…” e “…estive em Muxúngoè e vi muitas cabanas abandonadas. Até parece que voltamos aos anos 80…de novo…”. Estes testemunhos reflectem a tendência a deslocamentos.
O dicionário da língua portuguesa define círculo vicioso como sendo a sucessão, geralmente ininterrupta, de acontecimentos que se repetem e voltam sempre ao ponto de origem, colidindo sempre com o mesmo obstáculo. O círculo vicioso que nos referimos tem a ver com a mobilidade pendular da população causada por um dos factores supramencionados, nomeadamente hostilidades militares, calamidades naturais, construção e reconstrução que actuam de forma permanente. Deste modo, os assentamentos são organizados segundo a ordem: “fugir - procurar abrigo - ser tirado pela força por causa de projectos de desenvolvimento- regressar ao ponto original”.
Esta comunicação tem como objectivo demonstrar o ciclo vicioso dos deslocamentos populacionais a partir de depoimentos de pessoas afectadas por inundações, hostilidades militares e projectos de desenvolvimento.
Nota biográfica
Inês Macamo Raimundo - É atualmente Professora associada da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane, assim como do Centro de Análise de Políticas Públicas da mesma Universidade.
Doutorada em Processos Migratórios Forçados pela Universidade de Witwatersrand (África do Sul), tem vindo a trabalhar temas relacionados com a mobilidade humana no contexto da África Austral, destacando-se os temas ligadosà pobreza, HIV, meio ambiente e género. Desde 2004 tem vindo a coordenar estudos de migração sob a égide da SAMP (Projecto de Estudos Migratórios na África Austral), que inclui: a migração forçada e migração transfronteiriça, HIV, saúde sexual e reprodutiva, a segurança alimentar urbana, e sexo, urbano e estudos ambientais.
Tem inúmeros trabalhos publicados em revistas e livros nacionais e internacionais, destacando-se Raimundo, Inês (2008). “Migration Management: Mozambique’s Challenges and Strategies”. In International Migration and National Development in sub-Saharan Africa. Edited By Aderanti Adepoju, Ton Van Naerssen and Annelies Zoomers, Brill, Leiden; Raimundo, Inês (2005). “From civil war to floods: an international migration in Gaza province, Mozambique, In Negotiating Modernity: Africa's Ambivalent Experience. Edited by Elisio S. Macamo. Zed Books, London.
Seminário no âmbito dos programas de doutoramento em Pós-colonialismos e Cidadania Global e Human Rights, e do Núcleo de Estudos sobre Democracia, Cidadania e Direito (DECIDe)